Licença-paternidade: por que pais e especialistas dizem que 5 dias é pouco?


Neste Dia dos Pais, g1 ouviu profissionais de serviço social e psicologia que dizem que dizem ser preciso acabar com o mito de que ‘pai ajuda a mãe’. Especialistas pedem isonomia das licenças parentais. Diego Castilho pai de Francesco cuida do bebê.
Reprodução/Diego Castilho
Reforço da ideia de que o pai “ajuda” a mãe: este é um dos impactos da licença-paternidade de cinco dias assegurada pela Constituição Federal no Brasil. No Dia dos Pais, celebrado neste domingo (11), o g1 ouviu especialistas em parentalidade e pais sobre o prazo da licença-paternidade no Brasil.
“Com a licença-maternidade de 120 dias e a licença-paternidade de cinco dias, o que fica definido é que o exercício da paternidade é facultativo, ao passo que o exercício da maternidade é compulsório”, diz a professora de Serviço Social da Universidade de Brasília (UnB), Hayesca Costa Barroso.
A especialista, que também é coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Maternidade, Parentalidade e Sociedade (GMATER) da UnB, afirma que outra consequência é o abalo na dinâmica da distribuição de papéis dentro de casa.
O impacto mais direto da desigualdade das licenças parentais é a sobrecarga da mulher com a centralização do exercício da parentalidade na mãe, segundo a professora Hayesca Costa Barroso.
“Nós, como sociedade, não nos responsabilizamos coletivamente pelo cuidado de crianças, mas responsabilizamos as mulheres. Há um acordo coletivo que normaliza e institui que o cuidado recaia sobre a mulher.[…] É como se o protagonismo fosse da mãe e o pai não é nem o antagonista, mas ele é o figurante. O enredo não acontece sem a mãe, mas é uma história que seria contada facilmente sem o figurante”, diz a professora.
O professor e consultor em diversidade, inclusão e parentalidade da Filhos no Currículo, Vinícius Bretz Rodrigues, diz que a licença-paternidade de cinco dias gera impactos negativos para toda a família. Para as crianças, há possibilidade de efeitos em características comportamentais.
“Primeiro é própria criança que fica privada de ter um segundo cuidador presente em um momento tão importante. Além disso, a criança tem características comportamentais mais bem desenvolvidas, como desenvoltura e segurança, com figuras parentais presentes na primeira infância”, afirma Vinícius Bretz.
Prejuízos psicossociais na infância estão associados a riscos na adolescência, complementa o professor do Departamento de Processos Psicológicos Básicos, da Universidade de Brasília (UnB) Raphael Moura Cardoso. O pesquisador destaca que os bebês são mais sensíveis a interações sociais, e que a formação de vínculo é um fator protetivo para crianças.
“Quando a presença do pai é limitada, a formação desse vínculo pode ser prejudicada. Portanto, apoiar o contato positivo entre pais e seus filhos é um modo de estimular a interação e a formação de vínculo em uma momento crucial na vida dos filhos”, afirma o professor.
Pontos positivos da licença-paternidade ampliada
Os impactos de uma licença-paternidade ampliada são de curto, médio e longo prazo, diz o consultor em diversidade, inclusão e parentalidade Vinícius Bretz Rodrigues. Veja na tabela abaixo os benefícios comprovados de uma licença-paternidade ampliada:
Benefícios com licença-paternidade ampliada
Criação de vínculo
Pai Diego Castilho brinca com o filho Francesco
Divulgação/Diego Castilho
O engenheiro Diego Ceccarini Castilho, de 36 anos, pai de Francesco, de oito meses, afirma que o aumento do prazo da licença-paternidade traz benefícios para família toda: divisão igual de tarefas com a esposa, sem sobrecarga, e também fortalecimento do vínculo com o filho. 🍼
“Primeiro, a mãe ficaria menos sobrecarregada, teria por mais tempo o apoio da maior confiança, que é do pai da criança. Os 20 dias que consegui ajudaram na criação de vínculo, afeto, amor com meu filho. Quanto mais tempo em casa, dedicado a isso, facilitaria bastante”, diz Diego Castilho.
Pai de primeira viagem, o engenheiro destaca a flexibilidade da empresa onde trabalha, que participa do programa Empresa Cidadã e concedeu 20 dias de licença-paternidade para Diego (entenda mais abaixo sobre o programa).
Ele também conseguiu acompanhar todas as consultas durante a gravidez da esposa, e as consultas do bebê após o nascimento. Segundo a legislação atual, o pai pode acompanhar seis consultas de pré-natal e uma consulta por ano do filho após o nascimento.
‘É um momento importante para se acostumar com a nova rotina. Com os horários de dormir, cuidar do bebê, dar o banho. Francesco é meu primeiro filho, uma grande mudança da vida”, diz Diego.
Presenciar o primeiro sorriso
Pai Renato Alves cuida da filha Cecília ao lado da mãe Amanda Arroyo.
Divulgação/Michelle Fernandez
Colega de trabalho de Diego, o gerente assistente de projetos Renato Alves, de 33 anos, pai de Cecília de um mês, afirma que poder estar em casa nos primeiros dias de vida da filha significou ter uma coletânea de momentos inesquecíveis com a bebê. 👨‍🍼
“Acompanhar os primeiros choros, aprender o que é cada coisa, a nova dinâmica da casa, acompanhar os primeiros sorrisos, dar os primeiros banhos, participar ativamente no dia a dia. Também considero primordial conseguir dividir as atividades com minha esposa. […] Sem essa licença, eu teria me conectado muito menos com ela. Foram tantas memórias, sem esses 15 dias a mais não seria possível”, afirma o pai.
Para Renato, que também trabalha em um regime mais flexível com possibilidade de home office, ser pai é o principal papel da sua vida. A volta para o escritório, depois dos 20 dias de licença-paternidade e 18 dias de férias foi leve, mas o pai conta que a saudade da bebê já apareceu no primeiro dia.
“Você fica dividido: fiquei 38 dias com 24 horas dedicadas à Cecília, e você se vê obrigado a voltar. Com a possibilidade de fazer home office e horário flexível, consegui me sentir bem, mas no primeiro dia [do retorno] ficou a saudade e o sentimento de preocupação”, diz Renato.
Com a principal preocupação de ser um pai presente e amoroso para a filha, Renato acredita que a licença-paternidade estendida é um benefício essencial para as empresas continuarem retendo talentos. É o que destaca o professor e consultor em diversidade, inclusão e parentalidade da Filhos no Currículo, Vinícius Bretz.
“É um elemento de atração e retenção de talentos nas empresas. Entra na conta no momento de tomar a decisão de um casal”, diz.
O que precisa mudar?
Licença-paternidade: como é em outros países
A Constituição Federal, em 1988, estabeleceu um prazo de cinco dias para a licença até que uma nova lei sobre o assunto fosse criada. No entanto, passados quase 36 anos, ainda não houve uma regulamentação.
Contando com o dia do parto, ou com o dia em que a criança chega na casa da família após a adoção, o pai tem direito a cinco dias de afastamento sem prejuízo ao salário.
O único avanço em relação à licença-paternidade foi o programa Empresa Cidadã, que permite que o período seja estendido de cinco para 20 dias. A prorrogação da licença ocorre mediante concessão de incentivo fiscal para as corporações participantes.
No entanto, o consultor Vinícius Bretz estima que a iniciativa abarca somente 1% das empresas, e que companhias de pequeno e médio porte são minoria. Para o especialista, é preciso estender a licença-paternidade.
“Alemanha e Suécia implementaram políticas em que pais e mães têm esse tempo semelhante. O Brasil ainda não está preparado para ir para um lugar igual financeiramente, mas está preparado para estender. É uma evolução gradual, tem que ter posicionamento do Estado para definir”, afirma Vinícius Bretz Rodrigues.
O professor e consultor em diversidade, inclusão e parentalidade Vinícius Bretz Rodrigues destaca três pontos que geram um diferencial competitivo para empresas que investem na extensão da licença parental para os pais:
Aumento da retenção e engajamento de talentos
Impacto positivo na reputação da empresa
Contribuição para representatividade e liderança feminina
O professor do Departamento de Processos Psicológicos Básicos da Universidade de Brasília (UnB) Raphael Moura Cardoso defende a igualdade nas licenças parentais, mas diz que ela deve vir apoiada por outras políticas públicas.
“Talvez integrar as políticas públicas de saúde de pais e de assistência social também possa ser benéfico. Quero dizer que se a lógica do modelo tradicional do pai provedor e a mãe cuidadora prevalecer a licença paternidade poderá significar maiores sacrifícios das mulheres”, destaca.
A professora de Serviço Social da Universidade de Brasília (UnB), Hayesca Costa Barroso, diz que é preciso reconhecer o cuidado como responsabilidade social, e não só da mãe ou dos pais. Iniciativas públicas inter e multidisciplinares – envolvendo saúde, saúde mental, assistência, trabalho, educação – devem ser oferecidas pelo Estado como direito, assim como a igualdade no prazo das licenças parentais, defendida pela professora.
“Aqueles que cuidam também precisam de cuidado, também precisam de atenção. É preciso de um senso mais coletivo e social de parentalidade. Essa isonomia nas licenças parentais pode impactar diretamente no que a gente chama de divisão sexual do trabalho. […] Licença parental tem que ser obrigatória e que sejam iguais para os dois”, diz a professora.
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