Conferência deveria ter terminado nesta sexta-feira (22), mas as negociações se estenderam devido a desacordos sobre o apoio financeiro para os países mais vulneráveis às mudanças climáticas. Veja análise de especialistas sobre o impasse. Uma vista do local onde acontece a COP29, a conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, em Baku, Azerbaijão, em 22 de novembro de 2024.
REUTERS/Murad Sezer
Um rascunho de um acordo da COP29, a conferência climática das Nações Unidas que está sendo realizada em Baku (Azerbaijão), foi divulgado na manhã desta segunda-feira (22). O texto, porém, não agradou os países mais pobres, pois sugeriu um financiamento de US$ 250 bilhões anuais dos países ricos. (Entenda mais abaixo).
A cifra é bem menor do que esperado, pelo menos US$ 1,3 trilhão por ano (aproximadamente R$ 7,55 trilhões, considerando a cotação atual), um dos pontos mais esperados e debatidos da cúpula.
A versão final do documento, porém, ainda está sendo negociada por representantes dos quase 200 países presentes na conferência, que deveria ter terminado oficialmente nesta sexta.
Veja o que está no rascunho:
De forma geral, o rascunho sugere que o financiamento climático alcance pelo menos US$ 1,3 trilhão até 2035, mas NÃO explica como esse valor será arrecadado, se por doações, empréstimos ou investimentos privados.
O texto, porém, propõe que os países desenvolvidos forneçam US$ 250 bilhões por ano até 2035 aos países em desenvolvimento, o que fica bem abaixo do esperado, já que a expectativa era de que essa meta fosse de justamente US$ 1,3 trilhão.
Além disso, o texto não faz menção à “transição dos combustíveis fósseis”, que foi um dos pontos centrais no acordo da COP28 em Dubai.
Na cúpula do ano passado, apesar de alguns avanços, os países reunidos concordaram que é necessário começar a se afastar dos combustíveis fósseis, especialmente nesta década.
Pela primeira vez, também foi reconhecida a necessidade de uma transição energética, embora o documento não tenha incluído a eliminação imediata de combustíveis fósseis, algo que gerou críticas.
Por isso, além da questão do financiamento, ambientalistas esperavam que a COP29 do Azerbaijão trouxesse mais avanços em direção a um plano mais definitivo e com compromissos mais claros sobre a redução do uso de combustíveis fósseis, principalmente nos países que dependem desses recursos, como os grandes produtores de petróleo. Algo que também ainda não ocorreu.
“Essa versão do texto enfraquece as responsabilidades dos países desenvolvidos, o que será inaceitável para os países em desenvolvimento. A presidência do Azerbaijão terá que construir, em poucas horas, as pontes que não conseguiu construir ao longo das duas semanas de negociações”, avalia Stela Herschmann, especialista em políticas climáticas do Observatório do Clima (OC).
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Trilhões fora da mira
Para Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, o rascunho apresentado pela presidência da COP29 deixa claro que a liderança da cúpula falhou em compreender a gravidade da crise climática.
Ela afirma que, neste momento, as negociações estão divididas entre avanços tímidos e a ameaça de um colapso. Ainda segundo Unterstell, o que corrobora isso é a falta de urgência da conferência deste ano: desta vez, os números e propostas concretas foram apresentados apenas no último dia de negociações.
“Sem um acordo concreto para o Novo Compromisso Global de Financiamento (NCQG), os países em desenvolvimento ficarão sem apoio financeiro essencial após 2025, o que comprometerá o Acordo de Paris”, diz a especialista.
O NCQG é o termo técnico utilizado nas negociações em torno do financiamento climático. Como parte do Acordo de Paris, os países desenvolvidos prometeram aos países em desenvolvimento dar US$ 100 bilhões por ano a partir de 2020 para ajudá-los a se preparar para as mudanças climáticas.
Apesar disso, esse é meta não vinha sendo cumprida e, por isso, havia uma expectativa de que as negociações da COP27 e da COP28 selassem alguma medida imediata – o que não ocorreu.
E hoje, o cenário é ainda mais preocupante: especialistas falam que são necessários esses trilhões de dólares para a ação climática, e quanto mais tempo se demora para agir, mais caro será o processo.
Por isso, para a COP29, era esperada uma decisão clara sobre essa nova meta financeira, considerando recursos públicos e concessionais, além de empréstimos e investimentos.
“O que vimos foi um número muito abaixo disso, e vindo de uma profusão indefinida de fontes, sem clareza nenhuma sobre as fontes públicas”, afirma Caroline Prolo, diretora executiva e fundadora da LACLIMA, rede de advogados que estudo o direito das mudanças climáticas na América Latina.
“Essa proposta foi realmente muito decepcionante. Havia uma expectativa clara, baseada em estudos e dados concretos sobre a necessidade de financiamento, de que o número ficaria na casa dos trilhões”, acrescenta.
Rascunho do texto final da COP29 propõe US$ 250 bi por ano para clima
Já Unterstell também critica o fato de que, apesar de o rascunho resgatar compromissos prévios como o de mobilizar coletivamente 100 bilhões de dólares, a atualização da meta financeira para 250 bilhões de dólares, 15 anos depois, não leva em consideração a inflação nem as necessidades reais dos países mais vulneráveis.
Ou seja, a proposta é vista como inadequada e, para muitos desses países, simplesmente inaceitável.
Juan Carlos Monterrey, negociador do Panamá, considerou o texto inclusive uma “cusparada na cara” de países vulneráveis a crise climática. Já a Aliança dos Pequenos Estados Insulares (Aosis, na sigla em inglês), afirmou que é inaceitável aceitar um texto que desconsidera suas populações vulneráveis.
“A falta de um número claro e a incapacidade de o texto traduzir a realidade da crise climática atual são pontos de grande preocupação. Nas próximas horas, a esperança é de que os países consigam negociar uma meta minimamente aceitável, para que não saiam de Baku sem nenhum avanço em relação ao financiamento”, acrescenta Renata Potenza, especialista em Política Climática do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora).
Se esta COP de Baku não alcançar os objetivos propostos, isso colocará ainda mais pressão sobre a próxima conferência, a COP30, que ocorrerá no Brasil. Após anos de discussões difíceis e avanços pequenos, será necessário um compromisso mais firme, com metas claras e uma implementação mais efetiva, para que possamos enfrentar e combater a emergência climática que já estamos vivenciando;
Entenda o que é COP29
A COP29 é 29ª conferência do clima da ONU, um evento que reúne governos do mundo inteiro, diplomatas, cientistas, membros da sociedade civil e diversas entidades privadas com o objetivo de debater e buscar soluções para a crise climática causada pelo homem.
A conferência vem sendo realizada anualmente desde 1995 (exceto em 2020, por causa da pandemia) e o termo COP é uma sigla em inglês que quer dizer “Conferência das Partes”, uma referência às 197 nações que concordaram com um pacto ambiental da ONU no início da década de 1990.
O tratado, chamado de Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (CQNUMC), tem como principal objetivo estabilizar a emissão de gases de efeito estufa na atmosfera e, assim, combater a ameaça humana ao sistema climático da Terra, cada vez mais evidente nos últimos meses.
Esse ano, por exemplo, pela 1ª vez, foi confirmado que o aumento da temperatura global ultrapassou 1,5 ºC ao longo de um ano inteiro (o período de fevereiro de 2023 a janeiro de 2024).
Aliado a isso, segundo o observatório europeu Copernicus, o mundo vem batendo recordes de calor com uma frequência cada vez maior.
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