Pesquisador afirma que ato de beijar pode ter nascido de um hábito menos romântico: o ritual dos primatas de limpar parasitas com a boca. Origem do beijo teria relação com higiene primata
Jon/Pexels
Beijar é algo tão comum quanto ficar em pé, mas você já se perguntou por que os seres humanos se beijam e qual é a origem deste gesto? Embora as novelas tenham popularizado o beijo como uma demonstração de amor, um novo estudo publicado na revista científica Evolutionary Anthropology sugere que esse comportamento pode ter uma origem menos romântica e mais pragmática: a limpeza de parasitas.
O estudo do pesquisador Adriano Lameira, da Universidade de Warwick, entende que o beijo de hoje é um vestígio evolutivo das sessões de higiene dos nossos ancestrais primatas, e pode estar intimamente relacionado aos pelos do corpo.
Um hábito comum entre os chamados “grandes primatas”, que incluem chimpanzés e gorilas, é chamado de “catação”, quando um animal usa as mãos para mexer nos pelos do outro e tirar parasitas. O comportamento ajuda a manter a higiene e também a criar vínculos.
Segundo Lameira, após a catação, esses animais geralmente realizam um gesto final: pressionam os lábios e fazem uma leve sucção para remover detritos ou parasitas do pelo do parceiro.
“O beijo não é um sinal de afeto derivado do ser humano, mas uma forma de higiene primata que manteve sua forma, contexto e função ancestrais”, escreve o pesquisador.
Os seres humanos têm mais de 99% de seu DNA compartilhado com os chimpanzés e são parte da família taxonômica dos grandes primatas, também chamados de hominídeos.
À medida que os humanos perderam seus pelos ao longo de milhares de anos, essas sessões de limpeza se tornaram menos necessárias, mas esse último gesto – o “beijo final” – teria persistido como um sinal social, evoluindo gradualmente para o beijo que conhecemos hoje, diz Lameira.
Outras hipóteses apostam em diferentes origens para o beijo. Alguns o relacionam à amamentação, outros à prática de alimentar bebês com alimentos pré-mastigados e alguns até sugerem que o beijo veio de uma forma primitiva de “cheirar” para avaliar a compatibilidade genética. Entretanto, de acordo com Lameira, nenhuma destas propostas explicam o contexto e a função do beijo atualmente.
Beijo: mais uma construção cultural?
Embora a hipótese de Lameira seja intrigante, ela ainda não é tomada como uma teoria, ou seja, não é definitiva. Por exemplo, o beijo não é uma prática universal em todas as culturas.
Um estudo de 2015 publicado na revista American Anthropologist mostrou que apenas 46% das 168 culturas analisadas incluem o beijo romântico em seus costumes. Em algumas comunidades indígenas de caçadores-coletores, o beijo tem função oposta e é considerado desagradável. Isso sugere que o gesto pode ser mais uma construção cultural do que um instinto inato em nossa espécie.
Além disso, outros primatas que são antropoides (possuem características humanas), mas não são hominídeos, têm rituais de ligação social que diferem do beijo. Por exemplo, os macacos-prego demonstram afeto colocando os dedos nas narinas e nos olhos de seus companheiros, um comportamento que, embora seja estranho para nós, tem uma função semelhante em sua sociedade.
Para os humanos, as normas socioculturais também estabeleceram diferentes tipos de beijo. Os antigos romanos, por exemplo, faziam distinção entre três tipos: o osculum (beijo no rosto para demonstrar afeto social), o basium (beijo nos lábios para relações não sexuais íntimas) e o savium (beijo erótico).
Em algumas comunidades, o beijo tem função oposta e é considerado desagradável
Unsplash
Estudos futuros
A hipótese de Lameira abre um caminho promissor para futuras pesquisas sobre a evolução do beijo e de outros comportamentos humanos. Ciente de que ainda há muito a ser explorado, o pesquisador sugere que a comparação dos hábitos de higiene entre diferentes espécies de macacos, especialmente aqueles com diferentes densidades de pelos, poderia revelar pistas importantes sobre a origem e a evolução desse gesto.
“Para entender a evolução futura do beijo humano e de outros comportamentos exclusivos de nossa espécie, será importante levar em conta e pesar a influência do contexto socioecológico, cognitivo e comunicativo mais amplo dos ancestrais humanos”, conclui Lameira.