MP vai apurar publicações de pastor ‘ex-travesti’ com discurso de ódio contra comunidade LGBTQIA+


Flávio do Amaral foi denunciado ao Ministério Público (MP) pela deputada federal Erika Hilton (PSOL) e a vereadora de São Paulo Amanda Paschoal (PSOL) após uma jovem trans da igreja dele tirar a própria vida. Publicações de pastor ‘ex-travesti’ com discurso de ódio contra comunidade LGBTQIA+ serão apuradas pelo MP
Redes Sociais
O pastor Flávio do Amaral, denunciado por transfobia e tortura, fez uma sequência de publicações nas redes sociais associando pessoas trans a “Satanás e abominações”. Ao g1, o Ministério Público (MP) informou que as postagens serão apuradas porque há “indícios de discurso de ódio” contra a comunidade LGBTQIA+.
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O MP recebeu uma representação assinada pela deputada Erika Hilton (PSOL) e a vereadora de São Paulo Amanda Paschoal (PSOL) após o suicídio, em 27 de setembro, de uma jovem trans, de 22 anos, que passava por um processo de “destransição” e “cura gay” promovido pelo pastor.
Flávio, de 48 anos, é morador de Itanhaém, no litoral de São Paulo, e pastor da igreja evangélica Ministério Liberto Por Deus. Nas redes sociais, ele se apresenta como “ex-travesti” e, segundo a denúncia, ficou conhecido por pregar ser possível “deixar a homossexualidade” com fé, jejum e oração.
Capturas de tela de publicações do pastor foram anexadas ao documento enviado ao MP. Nos conteúdos, Flávio afirma que uma influenciadora trans “parece o Satanás” e um homem trans gerando um filho é uma “abominação”.
Em outra publicação, ele mostra o “antes e depois” de um fiel da igreja que, ainda segundo o líder religioso, passou pelo processo de “destransição”.
“Você como um cristão verdadeiro pode orar e contribuir, pois igual a este estamos para cuidar de seus [outros] rapazes assim”, alega Flávio na postagem.
Em nota, os advogados do pastor, Jean Paulo Pereira e Florentino Rocha Conde, afirmaram que ele não defende nenhuma prática fraudulenta de “cura” por entender que a orientação sexual não deve ser classificada como doença (confira o posicionamento completo abaixo).
Pastor de Itanhaém (SP) publicou processo de “destransição” de fiel
Redes Sociais
Postagens
O líder religioso também chegou a comparar um bloco de Carnaval à Sodoma e Gomorra, duas cidades bíblicas que, de acordo com o Antigo Testamento, foram destruídas por Deus com fogo e enxofre do céu.
Na denúncia, as parlamentares afirmaram que todas as postagens, vídeos e falas do pastor são “compostas por inúmeras incitações ao ódio contra a população LGBTQIA+, vinculando a orientação sexual e a identidade de gênero dessas pessoas a maldições e abominações”.
Ainda no documento, elas destacaram que Flávio segue compartilhando cultos de “cura e libertação” após a morte da jovem trans. Sendo assim, as parlamentares solicitaram ao MP a suspensão de algumas pregações publicadas nas redes sociais do pastor “em vista do evidente caráter criminoso”.
Denúncia
Deputada Federal Erika Hilton e Vereadora de São Paulo Amanda Paschoal
Redes Sociais
Além das práticas de “destransição”, as parlamentares apontaram que o pastor propagou discurso de ódio ao vincular a orientação sexual e identidade de gênero da comunidade LGBTQIA+ às maldições e abominações. Os fatos, de acordo com elas, configuram possível prática de crime de transfobia.
Ainda segundo a denúncia, a situação também se enquadra no crime de tortura. “[O] sofrimento imposto à vítima na tentativa de operar uma ‘cura’ para sua identidade, seja pela conversão religiosa, seja pela imposição de coações como o jejum obrigatório”, destacaram Erika e Amanda.
Em nota, o Núcleo de Direitos Humanos do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) informou ao g1 ter recebido a representação sobre o suicídio da vítima que estava em processo de “destransição” de gênero, acompanhada pelo pastor.
O órgão explicou ter requisitado a instauração de um inquérito à Polícia Civil para apuração da morte e das postagens nas redes sociais do pastor. “Há indícios de discurso de ódio contra as pessoas transexuais e LGBTs em geral”, afirmou o MPDFT, ainda por nota.
Jejum e vergonha
Pastor admite ter obrigado jovem trans a fazer jejum após ela confessar amor a fiel
Trechos de um vídeo, publicado pelo pastor no YouTube em 28 de setembro, foram anexados ao documento enviado ao MP. No conteúdo, ele disse estar em luto pela morte da jovem e contou que a obrigou a ficar de jejum após ela confessar estar apaixonada por um outro fiel da igreja.
“[Nome de nascimento da jovem, que não será divulgado] confessa para mim que estava apaixonado por um dos meninos. Tentou agarrar um dos meninos e eu briguei com ele, chamei atenção dele. Fiz ele jejuar. Ele não queria jejuar, eu falei: ‘Vai jejuar amanhã’ e ele jejuou”, disse Flávio.
Em determinado momento do vídeo, o pastor contou ter envergonhado a jovem trans para ela “nunca mais voltar para droga”. Em outro trecho, ele associou a morte à homossexualidade e a Satanás, além de ter dito que a vítima “foi para o inferno”.
“Que a sua morte seja para dar vida a milhões de outros e que fique de exemplo que sem Jesus nada podemos fazer, nada. A droga mata, o adultério mata, a prostituição mata e a homossexualidade também mata”, alegou Flávio, ainda no vídeo.
Na gravação, o pastor ressaltou estar se sentindo um “lixo” e vivendo o pior dia da vida dele. Durante a produção da reportagem, o conteúdo teve a visibilidade alterada para somente “membros” — aqueles que pagam para assistir a conteúdos exclusivos – no YouTube.
Defesa
Por meio de nota, os advogados Jean Paulo Pereira e Florentino Rocha Conde explicaram que tiveram conhecimento sobre a denúncia por meio das redes sociais. Por este motivo, os profissionais ainda não tiveram acesso à representação.
Apesar disso, eles destacaram que Flávio não teve nenhuma participação direta com a morte da jovem trans. “Inclusive, restou enlutado pelo ocorrido, especialmente pela relação de amizade, carinho e fraternidade que tinham”, afirmaram os advogados.
Pastor de Itanhaém (SP) foi denunciado ao Ministério Público após suicídio de fiel trans
Redes Sociais e YouTube
Sobre as outras acusações, os advogados alegaram que Flávio é uma pessoa que defende a liberdade de expressão e o respeito à diversidade, entendendo que a sociedade atual é plural e não pode tolerar qualquer prática discriminatória relacionada à orientação sexual.
Os defensores acrescentaram que o pastor não defende nenhuma prática fraudulenta de “cura” por entender que a orientação sexual não deve ser classificada como doença. Eles afirmaram que Flávio usa a vocação religiosa para auxiliar pessoas de um grupo extremamente vulnerável socialmente.
“As acusações que pesam sobre ele são baseadas em interpretações distorcidas de suas ações e declarações. É importante frisar que qualquer prática que vise a ‘cura’ de uma orientação sexual ou identidade de gênero é contrária à ética e aos direitos humanos, e Flávio do Amaral não compactua com tais ideais”, disseram os advogados.
Como buscar ajuda
Baixada em Pauta: Basílio Rocha, voluntário do CVV, é o convidado da semana
Para quem precisa de apoio emocional, além de acionar a rede de apoio, o acolhimento inicial pode ser feito por meio do número 188, o número do Centro de Valorização da Vida (CVV). O atendimento é válido em todo território nacional, gratuito e sob total sigilo.
O Sistema Único de Saúde (SUS) promove a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) através dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) que fazem o acolhimento para quem precisar sem necessidade de agendamento.
Os serviços de atenção básica, conhecidos como postinhos de saúde, também podem realizar consultas com enfermeiras, promovendo um acolhimento inicial no momento de sofrimento.
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