De acordo com a investigação que apura suposto esquema de venda de sentenças no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, magistrado acolheu pedido feito pelo pai do pecuarista em processo que pede revisão de contrato de financiamento com o Banco do Brasil. Marcos José de Brito Rodrigues
Reprodução
O inquérito da Polícia Federal que apura a venda de sentenças por desembargadores de Mato Grosso do Sul revela que o suposto esquema teve como vítima o Banco do Brasil, prejudicado em diversos processos. Em um deles, Marcos José de Brito Rodrigues reverteu a própria decisão para favorecer um pecuarista, aponta a PF.
✅ Clique aqui para seguir o canal do g1 MS no Whatsapp
Na ação, o pecuarista propõe revisão de contratos com o Banco Brasil referentes a financiamento de veículo e abertura de crédito alegando que “há cláusulas contratuais e encargos financeiros abusivos”.
Em uma primeira decisão, o desembargador Marcos Brito aceitou a revisão e decidiu que o pecuarista deveria arcar com o pagamento de 100% das custas e despesas do processo. Mas, conforme a polícia, o magistrado, que era relator no processo, “revogou sua própria decisão, beneficiando o pecuarista”.
Na revogação, o desembargador decidiu que o homem deveria arcar com 80% (e não mais 100%) das custas e despesas do processo e, o Banco do Brasil, com os 20% restantes. A causa foi estimada em R$ 3 milhões, segundo a PF.
“É importante relembrar que a pretensão [do pecuarista] era a de afastar cláusulas previstas em contratos de financiamento assinados com o Banco do Brasil, de forma que o deferimento parcial, em sede de embargos de declaração com efeitos infringentes, em uma ação milionária, gera grande proveito econômico para [pecuarista]”, conclui a PF.
O g1 não conseguiu contato com a defesa de Marcos José de Brito Rodrigues até a última atualização desta reportagem.
Pedido de favor
Mensagens trocadas entre o pai do pecuarista e Marcos Brito, obtidas pela PF, mostram que em 28 de maio de 2020, o homem escreve que precisa falar com o desembargador que responde afirmando “estar à disposição”.
PF obteve troca de mensagens entre pai de pecuarista e desembargador.
Reprodução
Na sequência, o pai do pecuarista encaminha o número de um processo ao desembargador: “Olhe com carinho”.
Pai de pecuarista pede favor ao desembargador Marcos Brito.
Reprodução/PF
Minutos depois, Marcos Brito encaminha a mensagem com o número do processo a seu assessor:
Magistrado encaminha número de processo a assessor.
Reprodução/PF
De acordo com a polícia, cinco dias depois, o pai do pecuarista volta a entrar em contato com o desembargador, mas não recebe resposta do magistrado.
A PF diz no inquérito que não fica demonstrada amizade entre o pai do pecuarista e Marcos Brito, mas que entende “haver fortes indícios de que houve venda de decisão” pelo magistrado.
Outro caso
Para a polícia, os desembargadores suspeitos de venda de sentenças agiam com mesmo modus operandi, prejudicando o Banco do Brasil em outros processos.
Em uma das ações, o banco foi condenado a pagar R$178 milhões em honorários advocatícios. O processo, segundo a PF, tem como advogados filhos do desembargador Vladimir Abreu da Silva, o que levou a polícia a ver indícios de que houve venda de decisão judicial no caso, julgado pelos desembargadores Divoncir Schreiner Maran e Marcos José de Brito Rodrigues.
Maran se aposentou recentemente e Marcos José foi afastado de sua função pela operação Ultima Ratio, deflagrada em 24 de outubro. Ele é monitorado por tornozeleira eletrônica desde o dia 12 deste mês.
Ultima Ratio
Afastamento de desembargadores por suspeita de venda de sentenças no TJMS completa um mês.
g1 MS
A operação que afastou os cinco desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul foi deflagrada em 24 de outubro por determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que exigiu, ainda, o uso de tornozeleira eletrônica pelos magistrados. O monitoramento iniciou doze dias depois da deflagração da operação, em 5 de novembro. Estão afastados:
Sérgio Fernandes Martins, presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul;
Sideni Soncini Pimentel, presidente do TJ eleito para 2025 e 2026;
Vladimir Abreu da Silva, vice-presidente eleito também para os próximos dois anos;
Alexandre Bastos, desembargador;
Marcos José de Brito Rodrigues, desembargador.
Desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul afastados
Reprodução
Os magistrados também estão proibidos de acessar as dependências dos órgãos públicos e de se comunicarem com outras pessoas investigadas.
Operação, que revelou esquema, está perto de completar um mês
Além deles, outros servidores do judiciário, um procurador de Justiça, empresários e advogados – alguns deles filhos dos desembargadores – são investigados por:
lavagem de dinheiro
extorsão
falsificação
organização criminosa
No dia 26 de outubro, a investigação saiu das mãos do ministro Francisco Falcão, do STJ, e ficou sob responsabilidade do ministro Cristiano Zanin, do STF.
Com a decisão, todo material apreendido, como celulares, computadores, anotações, agendas e mídias eletrônicas, ficou remetido ao STF. Desde então, cabe ao ministro Zanin requisitar à direção da PF uma nova equipe para seguir com a investigação sob sua relatoria.
O caso segue em segredo de justiça e STF e STJ não disponibilizam detalhes sobre o andamento do processo judicial. O Conselho Nacional de Justiça e o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul informaram que também não vão se posicionar.
Os cargos dos magistrados afastados foram ocupados por juízes convocados pelo TJMS no dia 30 de outubro. Confira aqui quem são os substitutos.
Veja vídeos de Mato Grosso do Sul: