7 meses depois da tragédia no RS e sem conseguir auxílio federal, pai e filho ainda tentam provar que tiveram casa inundada


José Liota busca reconstruir a casa em que seu pai, de 87 anos, viveu por quase toda vida em Venâncio Aires. “Foi difícil largar tudo e ficar em Porto Alegre”, conta. Pai e filho que tiveram casa inundada no RS lutam por auxílio de R$ 5,1 mil
José Olímpio Berrio Liota, motorista de 53 anos, carrega há 7 meses os documentos para tentar provar que a casa em que vive com o pai de 88 anos foi inundada nas enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul em maio de 2024. Ele insiste na luta para receber o auxílio de R$ 5,1 mil pago pelo governo federal às pessoas atingidas.
O g1 esteve em Mariante logo após as enchentes atingirem a região, mostrou os impactos das inundações e o sofrimento das pessoas atingidas pela tragédia (relembre aqui). Sete meses depois, série de reportagens mostra a realidade da vila, dividida entre a destruição e o desafio de um novo recomeço.
Até o início de dezembro, o morador de Mariante, distrito de Venâncio Aires (RS), só recebeu “não” como resposta nas duas tentativas de conseguir o auxílio para ele e para o pai, José Alves Liota. Na primeira delas, se deparou com um pedido feito antes para o mesmo endereço, duplicidade que não foi causada por eles.
José pai e José Liota, o filho, em frente à casa dos dois em Venâncio Aires (RS)
Fábio Tito/g1
Na tentativa mais recente, o documento que recusa seu pedido diz que o “o endereço informado não se encontra na área diretamente afetada”. Segundo o motorista, a situação é uma ironia, já que sobram provas de que a água atingiu a casa. Ainda há uma terceira solicitação aberta, sem resposta até a publicação desta reportagem.
Mais de 2 mil famílias de Venâncio fizeram o pedido e receberam o auxílio-reconstrução, segundo o governo Lula (PT) — entre eles o vizinho da frente dos Josés pai e filho, seu Osmar. O valor distribuído chega a quase R$ 12 milhões. Ao todo, os recursos federais destinados ao município somam mais de R$ 200 milhões, segundo dados da Secom.
Sem o benefício, José filho mostra as marcas da enchente que abalou Mariante e que estão há 7 meses na estrutura do imóvel, com paredes rachadas e pintadas pela lama marrom.
José Liota mostra os documentos que enviou em busca do auxílio federal
Fábio Tito/g1
“Foi isso que alegaram por último, que essa área nossa não foi afetada”, conta o morador.
Secretário da reconstrução do Governo Federal no RS, Maneco Hassen afirma que a revisão solicitada pelos Josés pai e filho não chegou até a União. Quem envia os documentos ao governo federal são os respectivos municípios em que as pessoas vivem — o g1 questionou a Prefeitura de Venâncio sobre o caso dos Josés, mas não recebeu retorno até a publicação da reportagem.
“Esse senhor não fez o pedido de recurso ou, se fez, a Prefeitura ainda não concluiu — ou seja, ainda não enviou. Se ele pediu, a Prefeitura ainda está no prazo de enviar”, explica Hassen. O prazo se encerra no fim de dezembro.
Sobrevivente em dose dupla
O pai de 87 anos, José Alves Liota, sobreviveu à inundação e sofre ao ver a casa onde morou tomada pelas marcas da tragédia. Segundo ele, a enchente passou 1 metro sobre a casa.
Além de seu relato, também há imagens, como registros feitos pelo g1 dias após a enchente da madrugada de 2 de maio de 2024. Uma dessas imagens mostra a casa de pai e filho ainda submersa, alagada até a marca da janela. Veja abaixo:
Casa de José Liota em foto tirada pelo g1 em maio de 2024
Fábio Tito/g1
“A gente quer deixar a casa como era antes. Cinco mil é só para dar uma ajeitada nela. É só para tapar o básico”, conta o motorista, listando uma série de reparos que precisam ser feitos na casa em que vive.
Seu José contou sobre suas memórias das enchentes de 1941 e de 2024, as maiores da história do RS
Fábio Tito/g1
Depressão
Caminhoneiro aposentado, o pai de José puxa do fundo da memória a enchente de 1941, até então a maior a atingir o estado, e agora superada pelas inundações de 2024. Ele tinha 4 anos, e a família foi salva por um vizinho de “caíco”, como são chamados na região os pequenos barcos.
“Quando minha mãe foi me tirar do berço, ela levantou a coberta e escutei a água saindo da coberta e caindo na outra água que já estava lavando o berço. Aquilo eu nunca me esqueci”, conta.
José Liota conta que o pai passa o dia cabisbaixo no quintal de casa
Aquivo pessoal
Dessa vez, o idoso deixou a casa em uma retroescavadeira e só votou para a casa em novembro, após ficar abrigado na casa de uma filha em Porto Alegre. O filho conta que foi nítido o baque sentido pelo pai ao ver o estado em que se encontra a casa na qual morou toda a vida.
“Ele está bem debilitado da memória. Só que, depois que veio para cá, ele ficou mais debilitado ainda”, conta o filho, que pretende levar o pai novamente para viver em Porto Alegre. “O que pegou ele agora, mesmo, foi o psicológico. Piorou bastante, acho que está com depressão forte”.
Copos, taças e outros itens de cozinha que eram da esposa de seu José ainda com o barro da enchente
Fábio Tito/g1
A família pretende ter uma reunião para decidir o que fazer com a casa e vai ouvir o desejo do pai sobre sair ou ficar no local. “Vai ser difícil. Segundo ele [pai], aqui é o lugar dele e ele quer morrer aqui”, diz José filho.
Conta de serviço não utilizado
Em Mariante foi possível encontrar o caso de uma moradora que teve a casa levada pela enxurrada de maio e que recebeu cobrança da conta de saneamento no que sobrou de sua casa — além de destroços, há apenas um vaso sanitário intacto no lugar.
Conta de saneamento encontrada em casa devastada pela enchente do RS
Fábio Tito/g1
A conta da Corsan, empresa de saneamento responsável pela prestação do serviço no Rio Grande do Sul, é do dia 26 de novembro de 2024, um dia antes de a reportagem do g1 estar no local e encontrar o documento em um pedaço de madeira na frente do que era a casa da mulher.
A reportagem solicitou posicionamento para a Corsan, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
O que diz o governo
Governo estadual – Eduardo Leite (PSDB)
Ao g1, o governo do Rio Grande do Sul afirmou que promoveu ações na região de Venâncio Aires “desde os primeiros dias da enchente”, com repasses que somam R$ 7,9 milhões em recursos para a cidade, entre benefícios sociais às famílias, apoio a empresas locais, reformas de hospitais, unidades de saúde, de educação e infraestrutura.
Sobre o auxílio ao município e aos moradores atingidos, o governo Leite afirma que foram feitos repasses de R$ 7,9 milhões à região de Venâncio Aires, entre kits de alimentos, auxílio abrigamento e devolução de impostos.
“Em Venâncio Aires, o programa Volta por Cima beneficiou em 386 famílias desabrigadas ou desalojadas, inscritas no CadÚnico em pobreza e extrema pobreza, com parcela única de R$ 2,5 mil, totalizando R$ 965 mil”, diz o governo.
Governo federal
Ao g1, o governo federal afirma que destinou até o dia 13 de dezembro mais de R$ 200 milhões em recursos para Venâncio Aires (RS), entre valores para o cuidado com as pessoas, apoio às empresas e medidas gerais para o município.
O governo Lula estima em R$ 58,5 bilhões o total de verbas destinadas para a reconstrução do Rio Grande do Sul após as enchentes de maio.
Ao deixar a casa, José colocou uma santa no chão para “cuidar” da casa
Fábio Tito/g1
José filho observa os danos causados pela enchente em sua casa
Fábio Tito/g1
Galpão nos fundos da casa dos Josés em Venâncio Aires (RS)
Fábio Tito/g1
Área dos fundos da casa de José pai e filho
Fábio Tito/g1
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