Perseguição ao baile funk: ao menos 16 pessoas foram mortas e 6 adolescentes perderam a visão em operações pancadão em SP, diz pesquisa


Dados fazem parte de relatório produzido pela Unifesp. No próximo domingo (1°), o Massacre de Paraisópolis que terminou com nove jovens mortos no Baile da Dz7, após ação da Polícia Militar, completa cinco anos. O caso ainda não foi a julgamento. Familiares das vítimas do “Massacre de Paraisópolis” fazem manifestação por justiça em frente a fórum
WAGNER VILAS/ENQUADRAR/ESTADÃO CONTEÚDO
Aos finais de semana, as ruas e vielas das periferias de São Paulo são ocupadas por milhares de jovens e adolescentes nos fluxos e bailes de rua. O funk chegou à capital no início dos anos 2000, com forte presença inicial na Cidade Tiradentes, na Zona Leste.
O movimento é uma expressão cultural negra e periférica que vem sendo perseguida pelo poder público municipal e estadual, principalmente por meio das famosas “operações pancadão” — atualmente denominadas como “Operação Paz e Proteção”. A violência e a repressão da polícia aos bailes pode ser traduzida em números.
Pelo menos 16 pessoas foram mortas e 6 adolescentes perderam a visão em operações pancadão na Região Metropolitana de São Paulo entre 2012 e 2024. O levantamento faz parte da pesquisa “Pancadão: uma História da Repressão aos Bailes Funks de Rua da Capital Paulista”.
A última morte foi de um adolescente de 16 anos baleado na cabeça durante dispersão de um baile funk no bairro dos Pimentas, em Guarulhos, Grande São Paulo.
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Obtido pelo g1 e lançado nesta sexta-feira (28), o relatório foi produzido pelo Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Unifesp, o Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública e o Movimento de Familiares das Vítimas do Massacre em Paraisópolis.
O levantamento, realizado com base em notícias, não contabilizou violações “menores” como agressões, espancamentos, humilhações e abusos de autoridade.
Adolescente de 16 anos atingido por tiro na cabeça durante dispersão de baile funk no bairro dos Pimentas, em Guarulhos.
Reprodução/TV Globo
O episódio mais letal foi o Massacre de Paraisópolis que terminou com a morte de nove jovens no Baile da Dz7, após ação da Polícia Militar, em 1º de dezembro de 2019. O caso completa cinco anos no próximo domingo (1°) e ainda não foi julgado. Não há perspectiva de que vá a julgamento em 2025.
A pesquisa também releva o aumento em 1.771% do número de operações policiais somente em Paraisópolis em um período de sete anos. Confira os dados:
2016: 1
2017: 1
2018: 29
2019: 74
2020: 141
2021: 139
2022: 131
Entre 2020 e 2022, houve Operação Paz e Proteção no entorno de Paraisópolis, localizada na Zona Sul da capital, praticamente todos os fins de semana.
Segundo a pesquisa, os dados mostram que as operações policiais são uma política ineficaz para aquilo que supostamente se propõe: impedir a ocorrência de bailes funk de rua. As ações de repressão também apresentam alto custo social e humano.
“Estamos há mais de uma década insistindo numa abordagem que não dá certo, né? Que não funciona porque os bailes seguem acontecendo. Ao longo dessa uma década, os bailes só se ampliaram. Tanto em número quanto em enraizamento nas periferias. Todos os bairros periféricos hoje da cidade tem mais de um baile funk acontecendo. Então, desse ponto de vista, a política repressiva, ela se mostra absolutamente ineficaz, mas o poder público segue insistindo nessa política”, diz a coordenadora da pesquisa, Desirée de Lemos Azevedo.
Em contrapartida, as operações pancadão são úteis para efeitos eleitorais. Nas eleições de 2024, por exemplo, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) e o empresário Pablo Marçal (PRTB) se aproximaram de alguns artistas consagrados e produtoras de funk durante a campanha, apesar de serem críticos ferrenhos ao movimento cultural.
“O funk dá visibilidade até mesmo para quem fala mal dele. E quando se trata de política institucional, pode-se dizer que ele dá uma visibilidade muito especial pra quem fala mal, já que não é possível encontrar, no decorrer da história da relação entre os bailes funk e o poder público, nenhum personagem que tenha se dedicado com tanto afinco a pensar formas de tornar os bailes possíveis em uma dinâmica menos incômoda aos munícipes quanto os personagens que se dedicaram a combatê-los.”
Segundo a pesquisa, a gestão João Doria (PSDB), municipal e estadual, foi a primeira a vincular os bailes funks ao PCC.
“Ao levar a questão à esfera pública estadual, Doria deu o respaldo político para que a Operação Pancadão fosse encarada como uma política pública: persistente, enraizada nas localidades e com investimento público. A pandemia da Covid 19 contribui com este cenário, trazendo para o fomento da pauta repressiva a questão da saúde pública”, diz o estudo.
Apesar disso, o relatório chama a atenção sobre como outros eventos de lazer, com música, principalmente noturnos, também são atravessados por atividades ilegais.
“Se não há dúvidas de que existe o varejo do tráfico de drogas em bailes funk, de modo algum os bailes são criados por traficantes para traficar ou lavar dinheiro. Os bailes são formados pela reunião de pessoas no espaço público, que produzem atravessamentos entre atividades legais, informais e ilegais, entre atividades econômicas e culturais, entre o trabalho e a diversão, mas também entre o crime e a contravenção. Esses mesmos atravessamentos estão presentes em todos os eventos realizados em espaços públicos, especialmente nos que envolvem música, diversão e lazer noturno”, diz.
“Não importa se é um evento de jazz no Bixiga, um samba na Lapa ou um baile em Heliópolis. Eles também estão presentes nos bares e boates da Vila Madalena e de Pinheiros, onde também se trafica, se lava dinheiro do PCC e se vende bebida de origem duvidosa, mas onde a privatização dos ambientes e do trato com as autoridades garante uma maior proteção das intervenções policiais sobre as atividades ali realizadas”, completa.
Operação policial para acabar com baile funk na Brasilândia, Zona Norte de SP, em maio deste ano
Arquivo pessoal
Poluição sonora
Uma das justificativas usadas pela Polícia Militar para manutenção da ordem pública por meio das operações são as reclamações de perturbação do sossego de moradores próximos aos fluxos. Entretanto, como a pesquisa ressalta, a poluição sonora é apenas uma contravenção penal, não um crime. Apenas esse fator não explicaria a presença ostensiva dos policiais nos bailes.
Segundo o relatório da Unifesp com a Defensória Pública, os bailes funks são associados a desordem e ao crime organizado. As pessoas associam a música negra e periférica a atividades ilegais.
Após o Massacre de Paraisópolis, um levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do g1 com dados do Programa Silêncio Urbano (PSIU) relevou que a cidade de São Paulo registrou 9.449 reclamações de barulho, incluindo os pancadões, no primeiro semestre de 2019.
Dentre os 96 distritos de São Paulo, a Vila Andrade, onde fica a favela de Paraisópolis, ficou em 76º lugar no total de chamados por poluição sonora. Enquanto Pinheiros, um distrito boêmio de classe média, foi campeão de reclamações.
“As pessoas em Pinheiros estão em uma situação de privatização dos ambientes, de privatização do trato com as autoridades, que garante uma maior proteção desses espaços em relação às intervenções policiais sobre as atividades que são realizadas. Enquanto, em locais como Paraisópolis, a gente está falando de atividade que se realiza na cidade, né? Se realizam mais ruas, que são muito mais desprotegidas em relação a essas intervenções policiais”, diz Desirée.
“É um problema que não se resume a um problema de barulho de poluição sonora, mas é um problema relacionado a discussão sobre os usos da cidade. Então, de maneira geral, a gente tem não só em relação à questão da poluição sonora, mas é de uma forma mais ampla é que os lazeres das classes médias e altas são mais protegidos. Eles costumam ser mais protegidos do que o lazer das classes populares”, completa.
O g1 procurou a Secretaria da Segurança Pública para comentar os dados e aguarda posicionamento.
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