Ao longo das 844 páginas do relatório do inquérito que indiciou Jair Bolsonaro e mais 36 pessoas por uma tentativa de golpe de Estado em 2022, a PF (Polícia Federal) adicionou algumas “alfinetadas” à cúpula que planejou a ação. Para os investigadores, a estratégia adotada parece “inverossímil” e as chances de êxito eram “remotas”.
Preparação do terreno para o golpe
A conclusão dos investigadores é de que a criação do ambiente para o golpe foi feita através do uso de notícias falsas e mobilização de uma base radicalizada que apoiaria a ação, além da cooptação de membros do Exército que dariam apoio logístico e militar.
“O modus operandi da organização criminosa era propagar a ideia de vulnerabilidades no sistema eletrônico de votação e fraude no pleito de 2018, fato que poderia se repetir nas eleições de 2022. O objetivo era estimular parcela da população, associada ideologicamente à direita do espectro político, a aderir ao discurso radicalizado contra as instituições, especialmente o Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Superior Eleitoral e seus ministros. O ‘apoio popular’ criaria o ambiente propicio para a execução do Golpe de Estado planejado pelos investigados“, consta o relatório.
Para a PF, essa narrativa era falsa e os envolvidos no golpe sabiam disso. No entanto, eles acreditavam que, se produzidas em grande volume, as fake news seriam bem recebidas pelo seu público.
“Por mais inverossímil que possa parecer, os investigados sabiam que a narrativa falsa de fraude eleitoral, sendo disseminada por muito tempo, por vários canais, especialmente na internet (aplicativos de mensagens, redes sociais, vídeos, entrevistas etc.), em grande volume seria extremamente eficiente em seu público-alvo” analisa a PF.
Além do volume excessivo, os investigadores também acreditam que o público, mesmo manipulado, aceitaria as informações falsas por uma questão de “familiaridade” com o que era disseminado.
“Receber mensagens semelhantes de várias fontes é muito mais persuasivo. O endosso de um grande número de usuários aumenta a confiança na informação que está sendo transmitida, especialmente se a informação vem de um canal (ou perfil de rede social) com o qual o destinatário se identifica (afinidades ideológicas, políticas, religiosas etc.). Além disso, a repetição maçante das informações, mesmo que falsas, leva à familiaridade, e a familiaridade leva à aceitação por parte dos receptores. Por fim, os investigados ainda fizeram uso de pessoas com posição de autoridade perante o público-alvo, para dar uma falsa credibilidade às narrativas propagadas”, afirma o relatório.
Milícia digital
Segundo o relatório, os articuladores do golpe agiram por meio da estratégia denominada “milícia digital”, formando grandes grupos na internet cujo objetivo era causar descrédito na democracia e nas instituições brasileiras, especialmente o STF e o TSE.
“Para o desenvolvimento da empreitada criminosa, os investigados durante todo o processo se utilizaram do modus operandi da denominada milícia digital. Nesse sentido, os produtores de dados falsos, difundiram em alto volume, por multicanais, de forma rápida, contínua e repetitiva a ideia de que tanto nas eleições de 2018 quanto nas eleições de 2022 foram identificadas diversas vulnerabilidades nas urnas eletrônicas, que ‘teriam revelado’ a arquitetura de uma grande fraude para prejudicar unicamente o então presidente da República Jair Bolsonaro”, expõe a PF.
De acordo com a PF, a tática serviu para instigar os seguidores de Bolsonaro a adotarem o sentimento de que os instrumentos legais não seriam capazes de reverter o resultado “injusto” da não reeleição do ex-presidente, devendo-se, então, adotar uma outra forma de ação mais contundente, diante das “arbitrariedades” do Poder judiciário.
“A contestação formal ao resultado das eleições por um partido político juntamente com a disseminação da narrativa falsa por meio de influenciadores digitais e alguns integrantes da mídia tradicional, com forte penetração em parcela da população ligada à direita do espectro político, manteve o discurso de uma atuação ilícita do Poder Judiciário, especialmente do STF e do TSE, que estariam extrapolando os limites constitucionais com a finalidade de impedir a reeleição do então Presidente Jair Bolsonaro”, constata a corporação.
‘Chance remota de êxito’
Para a PF, a estratégia adotada, apesar de eficiente na mobilização da base radicalizada, dificilmente teria sucesso.
“Os investigados, mesmo cientes da chance remota de êxito, adotaram a referida estratégia com a finalidade de servir de fundamento para a tentativa de Golpe de Estado, que estava em curso”, conclui a PF.