Veja diálogos e o papel dos principais investigados pela PF na ‘trama’ para negociação de sentenças em MT


Investigações sobre o esquema de corrupção na Justiça de Mato Grosso começaram quando o Conselho Nacional de Justiça descobriu que dois desembargadores recebiam vantagens financeiras para julgarem recursos de acordo com os interesses do advogado. Da esquerda à direita: os desembargadores Sebastião de Moraes Filho e João Ferreira Filho, e o empresário Andreson Gonçalves
Reprodução
Diálogos extraídos do celular de Roberto Zampieri, advogado que foi assassinado em dezembro de 2023, revelaram um sistema de negociações de sentenças envolvendo desembargadores, advogados, empresários e servidores (leia mais abaixo). Nesta terça-feira (26), a Polícia Federal cumpriu 23 mandados de busca e apreensão em Mato Grosso, Goiás e no Distrito Federal, além de uma prisão preventiva em Cuiabá.
O g1 teve acesso à decisão do ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), que traz diálogos entre o advogado e alguns dos alvos da operação: o empresário Valdoir Slapak, o desembargador Sebastião de Moraes Filho, o lobista Anderson de Oliveira, o advogado Flaviano Kleber Taques Figueiredo e o empresário Rodrigo Vechiatto da Silveira. As conversas, segundo a investigação, mostram como era o esquema envolvendo os citados, além do desembargador João Ferreira Filho, todos alvos da operação.
De acordo com o documento, trechos dos diálogos mostram acordos, trocas de favores e pagamentos financeiros que teriam beneficiado os investigados e pessoas relacionadas a eles.
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Sebastião e João foram afastados de suas funções no Tribunal de Justiça, em agosto deste ano, após a Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) identificar indícios de envolvimento na venda de decisões judiciais. A partir desta terça-feira, os magistrados passaram a ser monitorados por tornozeleira eletrônica e tiveram os passaportes apreendidos.
A defesa do desembargador Sebastião Filho informou que, diante do caráter sigiloso do procedimento investigativo, se manifestará apenas nos autos. O g1 também tenta localizar a defesa dos outros investigados e entrou em contato com a defesa de João, de Andreson e de Mirian Ribeiro Gonçalves, alvo e esposa de Andreson, mas não obteve retorno até esta publicação.
O que as conversas revelam
João Ferreira Filho
Desembargador João Ferreira Filho
TJMT/divulgação
A investigação revela que o desembargador João Ferreira Filho tinha uma relação próxima com Roberto Zampieri e mostrou que Zampieri mantinha contato constante com Ferreira Filho, sugerindo trocas de favores ilícitos no judiciário. As mensagens trocadas entre eles sugerem que o desembargador teria recebido vantagens financeiras indevidas para liberar decisões favoráveis aos interesses do advogado.
Um dos pontos centrais da investigação é a troca de mensagens sobre um relógio de luxo, que, segundo a polícia, seria uma contrapartida oferecida ao magistrado em troca de favores. Em um dos diálogos, Zampieri menciona a Valdoir Slapak — empreendedor na área de consultoria de negócios que também foi alvo da operação — que levaria o relógio para o desembargador analisar o valor.
– Roberto Zampieri: “Lembra do que te pedi sobre o relógio do nosso amigo? Eu estou em SP, gostaria de passar esse valor pra ele comprar o relógio. Se você puder arrumar esse valor pra hoje seria bom, mas se não for possível eu entendo. Só me avise. Abraços”.
– Valdoir: “Boa noite. Tenho duas camionetas para te passar para acertar nossa conta de 400 [mil]. Topa?”.
A investigação também revelou que, apesar de Zampieri não ser advogado no processo, ele teria solicitado a Ferreira Filho que analisasse um caso em andamento, o que levanta suspeitas sobre sua atuação também como intermediador. A proximidade de Zampieri com os advogados envolvidos no processo reforça a hipótese de que ele usava a influência com o desembargador para obter vantagens no julgamento.
Um dos advogados era Flaviano Kleber Taques Figueiredo, também alvo da operação. De acordo com a investigação, Zampieri informou a Flaviano que iria falar com o desembargador para resolver uma determinada circunstância.
– Roberto Zampieri: “Falei com ele agora, deve sair hoje no final do dia ou amanhã”.
Após o desembargador rejeitar o pedido, Zampieri e Flaviano trocaram mais mensagens.
– Roberto Zampieri: “Oi. Estou em um audiência. Já vi que foi indeferido. Vou cuidar disso amanhã para você. Vou tentar arrumar amanhã”.
– Flaviano: “Cara, é difícil. Se soubesse tinha ido falar com ele”.
No dia seguinte, o desembargador enviou e apagou uma mensagem destinada a Zampieri, que segundo a investigação, se tratava de valores monetários a serem supostamente entregues a João Ferreira. Zampieri respondeu a mensagem.
– Roberto Zampieri: “Está guardado, se preferir levo hoje ou transfiro”.
Dois dias após a troca de mensagens, o documento aponta que o desembargador favoreceu a parte representada por Flaviano. No mesmo dia, Zampieri perguntou a Flaviano, se ele conseguiria “os 250 para amanhã”. A investigação aponta que a quantia corresponderia ao valor da decisão acordada com o desembargador: R$ 250 mil.
Sebastião de Moraes Filho
Desembargador Sebastião de Moraes Filho
TJMT/divulgação
A participação do desembargador Sebastião no esquema também é detalhada nas mensagens encontradas no celular de Zampieri. Foi encontrada uma minuta de contrato entre Zampieri e um cliente, no valor de R$ 12 milhões, sugerindo um possível pagamento ilegal.
A polícia verificou que Zampieri tentou influenciar a decisão de Sebastião “ao apresentar memoriais, buscando uma decisão favorável no caso”. As evidências mostram que ele usou a posição para obter vantagens.
Além disso, em conversas no dia seguinte com Valdoir Slapak, Zampieri continuou a articular o esquema, reforçando a suspeita de que Sebastião estava envolvido em manipulação de decisões judiciais.
Veja o diálogo abaixo:
– Roberto Zampieri: “Sebastião pediu vista. Contrataram o filho dele, mas vou desmanchar. O da Colombo e o outro da quebra do sigilo deu tudo certo”.
– Valdoir: “Boa!!! E Pupin [o cliente]?”.
– Roberto Zampieri: “E o do Pupin acabei de resolver agora, vai julgar na sessão do dia 28/9, e também resolvi com o Des. Sebastião. Tive que acomodar o filho dele”.
– Valdoir: “Só notícias boas”.
– Roberto Zampieri: “Tive que acomodar o filho dele. Entendeu essa parte?”.
O beneficiado no caso, seria o filho do desembargador Sebastião, Mauro Thadeu Prado de Moraes, outro alvo da operação. Segundo a polícia, Zampieri teria um contrato para Mauro, como um ‘agradecimento’ ao pedido que o advogado havia feito ao desembargador, dois dias antes.
Outras conversas, dessa vez entre Zampieri e o empresário Rodrigo Vechiatto da Silveira, apontado como assessor do desembargador Sebastião, na época, fazem alusão a um possível acerto prévio entre Sebastião e Zampieri.
– Roberto Zampieri: “Você tem ideia do valor que vai vim pra mim? Não entendi, vai ser 40 mil?”
– Rodrigo: “60 chefe. 20 menino, 42 imposto, sobra 127 pra gente”.
– Roberto Zampieri: “Essa vou fazer pra você pela amizade, não precisa pagar nada não.
– Rodrigo: “Não, não… se você quiser me dar uma participação do seu, aceito [risos], mas é justo passar. Vou te passar 100 sexta. 60 (aproximadamente 10 mil dólares) + 40. Acabaram de cumprir lá”.
– Roberto Zampieri: “Cumprir a decisão do TJ, isso?”
– Rodrigo: “Isso”.
O papel do lobista
Andreson de Oliveira Gonçalves
Andreson Gonçalves, apontado como o principal lobista do advogado Roberto Zampieri
Divulgação
A investigação também revelou que, no dia 11 de dezembro de 2019, Andreson de Oliveira Gonçalves, apontado como um intermediador entre advogados e desembargadores, enviou a Roberto Zampieri registros de um processo judicial, que estava vinculado ao gabinete de João Ferreira Filho. Uma das partes do processo era representada pela esposa de Andreson, o que levanta a possibilidade de uma troca de favores em busca de uma decisão favorável.
No entanto, os registros mostram que o pedido de suspensão dos efeitos da decisão, apresentado no processo em questão pelo lobista, foi negado pelo desembargador Sebastião Barbosa Farias, e não por João Ferreira Filho. Ainda assim, em janeiro de 2020, Roberto Zampieri mencionou a Andreson que aguardaria o retorno de João Ferreira Filho para tentar reverter a situação por meio de um pedido de reconsideração.
Veja o diálogo abaixo:
– Andreson: “Pô, eu jogo tão limpo com você, e sai uma merda dessa. Quem decidiu foi o Sebastião. Moço, era falar que não ia dar. Nem era o João”.
– Roberto Zampieri: “Deixa eu te falar uma coisa eu te falei que o Des. João não estava essa semana, lembra? Agora eu vou esperar o Des. João voltar e reconsiderar”.
– Roberto Zampieri: “Peça pra preparar o Agravo Regimental e dar entrada na segunda-feira. Ele retorna p o TJ na segunda-feira. Ele vai reconsiderar, aquele dia que falei com você eu estava com ele, no gabinete dele, ele sabe que você é além que resolve lá em cima, ele sabe que você que resolveu o negócio do Jair, e sabe que você é meu amigo. PREPARE o regimental e entra na segunda-feira”.
– Roberto Zampieri: “VAI SER RECONSIDERADO”.
Em 27 de janeiro do mesmo ano, conforme registrado no documento, a decisão foi, de fato, reconsiderada pelo desembargador João Ferreira Filho, como afirmado por Roberto Zampieri. Esse fato confirma a tentativa de Zampieri de influenciar a decisão judicial, conforme havia discutido anteriormente.
Na mesma data, Zampieri questionou Andreson se ele “conseguiria aquele valor amanhã”, indicando que precisava satisfazer “um amigo aqui”. De acordo com a investigação, a conversa sugere que o advogado estava se referindo a um possível pagamento ao desembargador João Ferreira Filho, levantando mais suspeitas sobre o esquema de troca de favores ilícitos, conforme apontou o processo.
Venda de sentenças
PF cumpre mandados contra desembargadores investigados por suspeita de vendas de decisões judiciais em MT
As investigações sobre o esquema de corrupção na Justiça de Mato Grosso começaram quando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) descobriu que os dois desembargadores mantinham uma amizade com o advogado Roberto Zampieri, morto em dezembro do ano passado, e recebiam vantagens financeiras para julgarem recursos de acordo com os interesses do advogado. Já o lobista seria um dos responsáveis por aproximar o advogado de Sebastião e João.
O grupo pedia dinheiro para beneficiar partes de processos judiciais ilegalmente. Em seguida, emitia decisões favoráveis a esses “clientes”, ainda conforme investigações. A Polícia Federal também investiga negociações ligadas ao vazamento de informações sigilosas, incluindo detalhes de operações policiais.
Conforme as investigações, além do trio citado nesta reportagem, o esquema envolve advogados, empresários, assessores e chefes de gabinete. A identidade dos demais investigados não foi divulgada.
Na operação desta terça, a polícia vasculhou a casa de Andreson e dos desembargadores investigados no esquema. Ao todo, foram cumpridos um mandado de prisão preventiva em Cuiabá e 23 de busca e apreensão em Mato Grosso, Pernambuco e no Distrito Federal, além de medidas cautelares como instalação de monitoramento eletrônico, sequestro, arresto e indisponibilidade de bens e valores dos investigados.
LEIA MAIS:
STF nega pedido de trancamento da ação contra lobista alvo de operação por envolvimento em esquema de venda de sentenças em MT
STJ afasta 5 desembargadores suspeitos de vender sentenças em Mato Grosso do Sul
Caso Zampieri: quem são os envolvidos na morte do advogado
Outros alvos de busca e apreensão na operação:
Valdoir Slapak – Empreendedor na área de consultoria de negócios
Flaviano Kleber Taques Figueiredo – Advogado indicado pela OAB-MT e ficou na lista tríplice para vaga de desembargador do TJMT
Mirian Ribeiro Gonçalves – Advogada e esposa de Andreson
Haroldo Augusto Filho – empresário
Victor Ramos de Castro – Policial militar
Mauro Thadeu Prado de Moraes – Filho do desembargador Sebastião de Moraes
Rodrigo Vechiatto da Silveira – empresário
Rafael Macedo Martins – Advogado e servidor do TJMT lotado no gabinete de Sebastião de Moraes. Ele foi afastado do cargo
Roberto Zampieri – Advogado assassinado em 2023
Também foram cumpridos mandados contra funcionários de três gabinetes do Superior Tribunal de Justiça (STJ):
o do ministro Og Fernandes
o da ministra Nancy Andrighi
e o da ministra Isabel Galotti
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