Dados foram coletados no V Censo, que aconteceu entre os dias 15 e 17 de novembro, na Serra de Baturité. Entre as razões para o crescimento populacional estão as iniciativas de conservação, como as caixas-ninho, que já ajudaram mais de 3.800 filhotes a alçar voo desde 2010
Fábio Nunes/Aquasis
De 15 a 17 de novembro de 2024, a Serra de Baturité, no Ceará, foi palco do V Censo do Periquito-Cara-suja, uma iniciativa que alia ciência cidadã e conservação ambiental. O evento revelou um resultado animador: um aumento de 43,45% na população da espécie desde o último censo, em 2022.
Foram contabilizados 1.238 indivíduos este ano, em comparação com os 863 registrados há dois anos, um marco importante para a recuperação dessa ave ameaçada de extinção. O censo, promovido pela ONG Aquasis, mobilizou 230 voluntários do Brasil e de outros países, como Itália, Polônia e Canadá.
“A retomada do censo após as interrupções pela pandemia e por falta de recursos em 2023 é crucial. Ele deve acontecer ao menos uma vez a cada seis anos, que é o tempo geracional da espécie, mas quanto mais frequente, melhor, pois oferece um retrato mais atual da realidade”, explicou Fábio Nunes, biólogo da Aquasis.
Censo promovido pela ONG Aquasis mobilizou 230 voluntários do Brasil e de outros países, como Itália, Polônia e Canadá
Mika Holanda/Acervo Aquasis
Entre as razões para o crescimento populacional estão as iniciativas de conservação, como as caixas-ninho, que já ajudaram mais de 3.800 filhotes a alçar voo desde 2010. No entanto, o monitoramento contínuo é indispensável para entender se os jovens sobreviventes estão de fato contribuindo para o aumento da população.
Além disso, o censo avalia os impactos do tráfico de animais silvestres e outras ameaças ao periquito-cara-suja, cuja distribuição na serra tem se expandido gradualmente.
O periquito-cara-suja é uma ave exclusiva do Nordeste brasileiro que vive em pequenos bandos de 4 a 15 indivíduos
Fábio Nunes/Aquasis
Ciência cidadã e desafios logísticos
A contagem dos periquitos é feita ao anoitecer, nos locais de dormitório das aves, que podem ser ocos de árvores, bromélias ou caixas-ninho. Os voluntários são divididos em rotas coordenadas por líderes e posicionados estrategicamente antes das 16h, garantindo que cada ave seja contada apenas uma vez.
A contagem dos periquitos é feita ao anoitecer, nos locais de dormitório das aves, que podem ser ocos de árvores, bromélias ou caixas-ninho
Mika Holanda/Acervo Aquasis
“Embora haja uma margem de erro, o método é consistente e permite comparações confiáveis entre os censos ao longo do tempo”, destacou Nunes.
O evento também incluiu palestras sobre biologia da conservação, treinamento metodológico e atividades práticas.
O evento também incluiu palestras sobre biologia da conservação, treinamento metodológico e atividades práticas
Mika Holanda/Acervo Aquasis
“Organizar tudo isso com uma equipe reduzida e recursos limitados é desafiador, mas conseguimos graças à colaboração dos voluntários e ao apoio financeiro de instituições nacionais e internacionais”, acrescenta o biólogo.
Próximos passos e a importância da comunidade
Os dados coletados serão utilizados para atualizar o status de conservação da espécie nas listas vermelhas (global, federal e estadual) e embasar estratégias futuras, como reintroduções em áreas onde a ave foi extinta.
O período reprodutivo do cara-suja se dá na época das chuvas, quando a fêmea põe de cinco a oito ovos, em ocos de árvores
Fábio Nunes/Aquasis
“A participação da comunidade local continua sendo essencial. Preservar florestas, proteger árvores antigas e combater a captura ilegal são ações que ajudam a garantir o futuro do periquito-cara-suja”, ressalta Fábio.
O V Censo não foi apenas um exercício de monitoramento, mas uma celebração do compromisso entre ciência e sociedade.
Em um mundo onde tantas espécies enfrentam o risco de extinção, iniciativas como essa provam que a união de esforços pode reverter histórias de declínio e devolver esperança à biodiversidade.
Atividades práticas com crianças fizeram parte da programação do V Censo
Whaldener Endo
Periquito Cara-suja
O periquito-cara-suja (Pyrrhura griseipectus) é uma ave exclusiva do Nordeste brasileiro, cuja história remonta a 90 mil anos a.C., segundo estudos genéticos recentes.
Conhecida por sua beleza e comportamento social, a espécie vive em pequenos bandos de 4 a 15 indivíduos, mede entre 22 e 28 cm, pesa cerca de 58 gramas e se alimenta de frutos, sementes e flores. Durante a noite, busca refúgio contra predadores em ocos de árvores, entre folhas de palmeiras ou bromélias.
População de cara-suja está restrita a apenas três áreas no Ceará: Serra de Baturité, onde ocorreu o V Censo, Quixadá e Ibaretama
Fábio Nunes/Aquasis
No passado, foi encontrada em diversos estados nordestinos, mas hoje, devido à destruição de seu habitat e ao tráfico ilegal, está restrita a apenas três áreas no Ceará: Serra de Baturité, Quixadá e Ibaretama. Mais recentemente, a espécie foi reintroduzida na região da Serra de Aratanha, no município de Pacatuba, e projetos semelhantes estão ocorrendo nas cidades de Crateús e de Ubajara.
Em 2003, o governo brasileiro a classificou como criticamente ameaçada de extinção.
Cara-suja é considerado o psitacídeo mais ameaçado de extinção no Brasil
Fábio Nunes/Aquasis
Projeto de conservação da espécie
Em resposta a essa situação, a ONG Aquasis iniciou, em 2007, o Projeto Periquito-Cara-suja, com foco na conservação dessa espécie emblemática.
A organização trabalha para restaurar populações naturais por meio de estratégias como o uso de caixas-ninho e o monitoramento contínuo.
Os periquitos-cara-suja medem entre 22 e 28 cm e pesam cerca de 58 gramas
Fábio Nunes/Aquasis
Esses esforços fazem parte de uma trajetória de mais de 30 anos de atuação da Aquasis, que nasceu em 1992 da iniciativa de estudantes da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Universidade Estadual do Ceará (UECE). A ONG começou voltada à proteção da vida marinha, mas ampliou sua atuação para abranger outras frentes essenciais.
Hoje, a Aquasis lidera três programas principais: o Programa de Mamíferos Marinhos (PMM), o Programa de Aves (PAM) e o Núcleo de Educação Ambiental (NEA). Essas iniciativas têm como missão proteger a biodiversidade do Ceará e outras regiões do Nordeste, inspirando a sociedade e promovendo ações concretas para preservar espécies ameaçadas, como o periquito-cara-suja.
No passado, o cara-suja era encontrado em diversos estados nordestinos, mas devido à destruição de seu habitat e ao tráfico ilegal, a população sofreu grande declínio
Fábio Nunes/Aquasis
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