A jornada de Evaldo José: da locução esportiva ao trabalho num campo de refugiados na África


Aos 55 anos, ele dirige, desde julho, uma escola para 900 crianças no Malaui e diz: “educação é a ferramenta que pode mudar o futuro das pessoas” Conheci Evaldo quando eu dirigia a CBN e ele, que era professor do tradicional Colégio Santo Agostinho, referência no ensino carioca, buscava consolidar seu lugar ao sol numa segunda profissão: a de narrador esportivo. Com o bordão que o consagrou – o grito “Que lindo!”, a cada gol marcado – incorporou-se ao time da rádio em 2003, onde permaneceu até 2016, conciliando a nova atividade com o magistério. Atualmente, Evaldo José Palatinsky (o sobrenome acabou sendo “descartado” por ser de difícil compreensão) usa toda a experiência que a formação em filosofia, teologia, jornalismo e gestão empresarial lhe proporcionou para enfrentar o que talvez seja o maior desafio da sua vida: dirigir uma escola para 900 crianças num campo de refugiados do Malaui, um dos países mais pobres da África.
Evaldo José ao lado de alunos da Escola Nação Ubuntu
Acervo pessoal
“Fiz 55 anos em outubro e, nessa trajetória, foram 35 dedicados à educação e ao jornalismo. Devo ter pelo menos mais uns 15 ou 20 anos com muita disposição e quero, no Malaui, poder gerar algum impacto e ajudar a escola a cumprir a missão para a qual foi fundada”, explica.
Essa história começa em 2019, quando reencontrou uma ex-aluna, Clarissa Paz, membro da organização Fraternidade sem Fronteiras. Ela o convidou a conhecer o projeto da Escola Nação Ubuntu, no campo de refugiados Dzaleka, a cerca de 40 quilômetros da capital, Lilongwe – um pedaço de terra cedido pelo governo do Malaui em 1994, para que a ONU pudesse assentar os sobreviventes do massacre de Ruanda. O que era para ser uma medida provisória completou 30 anos e hoje vivem ali em torno de 55 mil pessoas.
“Separei 15 minutos na agenda para uma conversa que durou duas horas e meia. No final, já tinha decidido comprar uma passagem. Fui em 2019 e, imediatamente, me conectei com a causa, que me mobilizou e me emocionou muito mais do que eu esperava. Nos primeiros dias, você sente o impacto da dureza da situação, mas depois, inspirado por essas pessoas, descobre uma força que desconhecia”, lembra.
Evaldo resolveu dar uma parada em suas atividades para passar dois meses no Malaui. Foi assim que embarcou, no começo de 2020, para a África, onde acabou ficando por seis meses. Apesar de ter tido a chance de voltar antes do fechamento total dos aeroportos, por causa da pandemia, decidiu permanecer. Em 2023, coordenou a primeira caravana pedagógica para a escola, levando voluntários de diferentes áreas para, como define, “somar e aprender”:
Em sala de aula: o inglês é a língua oficial para as 900 crianças
Acervo pessoal
“Na verdade, a gente aprende muito mais do que ensina. Há refugiados de diversos países, que enfrentam uma infraestrutura das mais precárias. Também não podem ter um emprego formal e recebem apenas cinco dólares por mês do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados), ou seja, ficam presos a uma condição de miséria absoluta”.
No fim do ano passado, surgiu o convite para ser diretor-geral da escola e, no primeiro semestre de 2024, Evaldo deu início aos preparativos para transformar a África num segundo lar. A Ubuntu, que abriu as portas com 200 alunos, hoje atende 900, de sete países e dez dialetos diferentes. A língua oficial é o inglês, mas as crianças são obrigadas a aprender chechewa, o idioma nacional, porque no oitavo ano é preciso fazer uma prova para ingressar no Ensino Médio – 50% dos estudantes não passam no exame. É um trabalho hercúleo para os próximos anos, afirma:
“Queremos implementar um currículo internacional, que dê às crianças alguma chance no futuro. Por enquanto, temos alunos até o quarto ano, mas quero ver a primeira turma chegar ao oitavo e prestar a prova para o Ensino Médio. No futuro, talvez possam pensar em ir para uma universidade no Canadá, no Reino Unido, na França. O dia a dia de um campo de refugiados é feito de carências e a maioria dos projetos humanitários é sobre garantir água e comida. O nosso quer mostrar que a educação é a ferramenta que pode mudar o futuro das pessoas”.
São 60 professores e cada estudante – que recebe uniforme e alimentação – custa, mensalmente, entre 250 e 300 reais. É possível se tornar padrinho ou madrinha de uma delas: basta acessar este link da organização.
“A outra escola no campo atende dois mil alunos, com 150 em cada sala, mas no total são 15 mil crianças… A nossa é a única que oferece refeição. Elas comem um mingau quando chegam e, no almoço, o nsima, prato que se assemelha à polenta, com uma verdura. Queremos estender o horário até as 15h, para lhes dar um lanche, porque a maioria só se alimenta aqui. Este também é um local onde estão menos expostas, porque há muita violência sexual e um problema gravíssimo de tráfico humano”, conclui.
Rodeado por alunos do campo de refugiados Dzaleka
Acervo pessoal
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