As Olimpíadas são um momento único na história do esporte e da política. Os sinais são postos de maneira sub-reptícia e, também, absolutamente explícita. É um jogo insinuoso de poder e charme. Os jogos no Brasil, em 3 a 21 de agosto de 2016, aconteceram num momento em que o país estava completamente dividido. A paraolimpíada, de 7 a 18 de setembro.
Ocorre que a ex-presidente Dilma, legitimamente eleita para presidir o Brasil, havia sido afastada pelo Senado Federal em 12 de maio daquele ano. Era um impeachment claramente golpista encetado pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, pois era óbvio que não havia crime. O impeachment é um processo político-jurídico, no qual o Congresso decide politicamente, mas, é óbvio, tem que ter havido crime de responsabilidade. Sem crime, é golpe. Simples assim. O Senado Federal concluiu, em 31 de agosto, por 61 votos favoráveis e 20 contrários, pela destituição, criminosa e golpista, da Presidente que havia sido eleita.
O país recebeu as competições com um presidente constrangido em exercício e uma presidente afastada por não ter cedido às extorsões do grupo que depois restou preso e processado. Ela seguiu cassada, mas digna.
Era um momento de muita tensão. Interessava à grande mídia e à esmagadora maioria da elite mostrar um fracasso nas olimpíadas. Mas a força do esporte é algo quase sobrenatural. Os jogos foram um sucesso. Por sorte, o prefeito do Rio era o Eduardo Paes. Sempre digo a ele que ele nasceu para ser prefeito do Rio. O cargo parece ter sido feito sob medida. Só de não ser o responsável direto pela segurança pública do estado do Rio, já é uma sorte. O Rio, mesmo com toda a turbulência e má vontade política, fez uma olimpíada para a história. O legado das construções e edificações, que infelizmente não cumpriu o papel republicano, não deve ser colocado na conta da competição. É o vício político maldito. É na nossa conta, dos eleitores, que isso deve ser debitado.
Lembro-me que ousei propor ao Roberto Carlos uma atitude que, para mim, seria histórica, para ele realizar quando da abertura das paraolimpíadas. O hino nacional iria ser tocado pelo nosso maestro maior, João Carlos Martins, e o Seu Jorge iria cantar “É preciso saber viver”, do Roberto e Erasmo. Imaginei o Roberto Carlos subindo ao palco e, em um gesto de extrema importância para todos os que têm qualquer condição física especial – eu sou cego de um olho -, ele mostraria, em público, para 1 bilhão de telespectadores ao redor do mundo, sua perna mecânica, fruto de um dramático acidente de trem na infância. Como advogado e amigo do Rei, sei o quanto ele ter assumido ter “toque” foi importante para o enfrentamento da doença no Brasil. Tenho o registro de médicos e psicólogos.Imagine um gesto dessa magnitude. Iria marcar as paraolímpicas para todo o sempre. Seria um ouro olímpico.
Acompanhei, de perto, as Olimpíadas de Paris. Fui a inúmeros jogos e eventos e constatei a torcida da extrema direita para algo dar errado. É verdade que a cidade teve que parar no início dos jogos. A estrutura de segurança exigia isso. Era um policiamento muito ostensivo e o barulho das sirenes em intermináveis grupos de viaturas chegava a assustar. No início, os bloqueios nas ruas incomodavam, mas, quem estava no espírito olímpico, compreendia.
Assim que terminou, foi bonito ver a cidade orgulhosa voltar à leveza natural parisiense. Os cafés, antes vazios, voltando a ter filas, assim como os restaurantes, livrarias e museus. O francês, que havia saído de férias, retornando e se gabando da beleza incomparável da cidade.
Mesmo com as dificuldades de uma mega olimpíada, como a ostentação triste e opressiva dos jogadores americanos de basquete, que optaram por um hotel 5 estrelas e não pela Vila Olímpica, a cara daquele país. Ou o terrível e desleal empurrão da corredora da Etiópiana atleta holandesa, nos metros finais da prova mais simbólica, a maratona, que, graças a Deus, não tirou dela o ouro olímpico. Nada tisnou o brilho da dimensão do espírito olímpico.
No caso brasileiro, fica o registro da importância da bolsa atleta, instituída no primeiro governo Lula. Neste ano, 241 atletas foram contemplados,87,3% dos atletas. Quando for 100%, em um país desigual como o nosso, o pódio ficará mais perto.
Por fim, sempre importante rememorar o destacado desempenho feminino da equipe olímpica brasileira. Essas mulheres de ouro mostraram que estamos a superar o obscurantismo e atraso do machismo bizarro disseminado pelo Bolsonarismo.
Remeto-me a Mario Quintana, no poema Das Utopias:
“Se as coisas são inatingíveis … ora! Não é motivo para não querê-las … Que tristes os caminhos, se não fora A presença distante das estrelas!”
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay