Lançamento de álbuns, realização de festivais e organização de turnês tem levado a debates sobre sustentabilidade e impactos ambientais. Como a indústria musical afeta as mudanças climáticas
A dois meses de lançar o álbum “Moon Music”, o Coldplay promete ter a fabricação do vinil mais sustentável da história da indústria fonográfica. Previsto para outubro, o LP será feito a partir de garrafas PET recicladas.
Em comparação ao processo tradicional do setor, a confecção do disco emitirá 78% menos gases de efeito estufa. Além disso, terá um limite de cópias para evitar o desperdício, indo na contramão da produção desenfreada do mercado.
Dá para dizer que esse é um caso oposto ao de “Midnights”, o décimo álbum de Taylor Swift. Por ter quatro versões de vinis, ele foi alvo de críticas ambientalistas quando lançado, dois anos atrás. Com faixas idênticas, a diferença entre os LPs é visual: cada contracapa traz uma foto que, quando colocada ao lado das outras, forma uma só imagem. Essa composição pode ser enquadrada ou colada na parede.
Vinis de ‘Midnights’, de Taylor Swift
Reprodução/Universal
A estratégia, que soou como estímulo ao consumismo, usava um tipo de vinil capaz de emitir (durante a fabricação) cerca de 0,5 kg de CO2, o principal gás responsável pelo aquecimento global.
Apesar do ineditismo do disco de garrafa PET, os músicos do Coldplay não são os únicos a anunciar um álbum com pegada sustentável. Billie Eilish, por exemplo, fez isso com “Hit Me Hard and Soft”. Lançado em maio, a versão física do disco tem tinta à base de plantas e embalagem de cana-de-açúcar.
A cantora, inclusive, fez declarações na época criticando músicos que fabricam “40 pacotes de vinil com só uma coisa diferente para vender mais”. A fala foi interpretada como uma alfinetada à Swift, mas Eilish disse que havia se referido apenas a “um problema sistêmico”.
Discussões como essas, no entanto, ainda engatinham na indústria musical. E até pouco tempo atrás, quase não tinham espaço.
Arte sobre a música nas mudanças climáticas
g1
Ser sustentável está na moda?
“Há dez anos, nem se pensava nisso de empresas [do setor musical] tendo departamentos de sustentabilidade”, explica Amy Morrison ao g1. Ela é cofundadora da Music Sustainability Alliance (MSA), associação americana de enfrentamento à crise climática na indústria musical.
“Não é como se, agora, as empresas fizessem tudo que querem, até porque tem muito dinheiro envolvido, mas mudanças importantes estão acontecendo.”
Fundada na pandemia, a MSA tem grupos de trabalho dedicados a promover iniciativas sustentáveis em todas as esferas da indústria. Dos estúdios de gravação aos palcos.
No caso de festivais, a associação elabora ações como:
Maior adesão de comida à base de plantas;
Doação de alimentos excedentes;
Copos reutilizáveis;
Opções de transporte com redução de danos;
Descarte adequado de lixo;
Uso de energias renováveis;
Coldplay se apresenta no Rock in Rio 2022
Stephanie Rodrigues/g1
O tipo de energia utilizado em shows é, aliás, o principal debate ambiental relacionado aos festivais de música. Mesmo promovendo (e divulgando suas) ações sustentáveis, a maioria desses eventos faz shows movidos por geradores que queimam óleo diesel — combustível bastante agravante ao caos climático.
Em festivais de grande porte como Coachella, Lollapalooza e Rock in Rio, a maioria das apresentações dispensa o uso exclusivo de energia limpa. Por isso, associações como a MSA têm trabalhado para mudar o contexto.
Um exemplo é a ONG ambiental Reverb, que levou um show totalmente movido a energia solar para o Lolla Coachella 2023: a apresentação de Billie Eilish. A cantora apoiou a campanha “Music Decarbonization Project” — em português, “Projeto de Descarbonização Musical”.
A Reverb também já trabalhou com bandas como Tame Impala, Fleetwood Mac e Maroon 5, além de artistas como Pink, Harry Styles e John Mayer.
Billie Eilish em foto de divulgação do álbum ‘Hit me Hard and Soft’
Divulgação/Estúdio Petros
Quem tem medo do ‘greenwashing’?
“Muitos artistas realmente tentam limitar a quantidade de caminhões, luzes e equipamentos nas turnês. Mas cada um aborda o assunto de um jeito. Alguns gostam de fazer esse trabalho silenciosamente. Outros ficam felizes de mostrar o que fazem, tipo o Coldplay”, diz Amy.
A banda britânica também promove ações como:
Shows com painéis solares
Pistas de dança cinéticas;
Público em bicicletas ergométricas geradoras de energia;
Plantação de uma árvore para cada ingresso vendido;
Doações de itens de higiene pessoal;
Coldplay no Rock in Rio 2022
Stephanie Rodrigues
Ainda assim, os músicos também recebem críticas por sua postura diante do assunto. Há quem aponte hipocrisia na banda, e os critique por suas turnês com jatinhos e apresentações extravagantes (cheias de confete e pulseirinha pisca-pisca). Eles são acusados de fazer greenwashing — práticas que aparentam ser sustentáveis, mas apenas surfam na bandeira ecológica como forma de lucrar.
“Entre os artistas que lutam pela causa ambiental, exista um medo de ser ridicularizado por não ser perfeito [em termos de sustentabilidade]”, afirma Amy.
Em entrevista ao site “BBC” em 2019, o vocalista Chris Martin disse: “Não me importo com nenhuma reação negativa. Estamos tentando o nosso melhor, e não conseguimos atingir a perfeição. As pessoas que nos criticam por voarmos [em aviões particulares] estão certas. Não temos nenhum contra-argumento”.
Segundo uma pesquisa da Oxfam de 2022, o uso de jatinhos emite pelo menos 10 vezes mais carbono do que as companhias aéreas comerciais. É daí que vem a crítica aos artistas que viajam no veículo.
Taylor Swift é uma delas. Com fama de inimiga da sustentabilidade, a cantora seria a celebridade que mais emitiu dióxido de carbono em viagens de jatinho no ano de 2022, sugere um estudo da Yard. Neste ano, um porta-voz da artista disse à “BBC” que ela compra créditos de carbono para compensar seus voos.
“É uma logística difícil. Imagine alguém como a Taylor Swift num aeroporto público tentando entrar em um avião comercial. Poderia até ser perigoso”, diz Amy, ao comentar complexidades do assunto.
Taylor Swift faz 1º show no Rio de Janeiro
Stephanie Rodrigues/g1
Seu play é sustentável?
O debate sobre indústria musical vs. meio ambiente está ainda relacionado à maneira na qual ouvimos música.
Ao contrário do que muita gente pode pensar, discos online não são necessariamente mais sustentáveis do que físicos. O livro “Decomposed: The Political Ecology of Music” (2019), do pesquisador Kyle Devine, mostra que a linha do tempo fonográfica é bem paradoxa.
Entre 1977 e 2016, o uso de plástico nas gravadoras americanas caiu de 58 milhões para 8 milhões de quilos. Em compensação, a emissão de gases de efeito estufa saltou de 140 milhões para até 350 milhões de quilos, no mesmo período.
Ou seja, um simples processamento ou armazenamento de uma faixa (em nuvens virtuais) é suficiente para agravar as mudanças climáticas. E outras variáveis se somam a isso. “Se você estiver assistindo a um vídeo no YouTube, os dados utilizados são mais pesados do que ouvir um álbum no Spotify”, explicou Devine à revista “Rolling Stone”, em 2019.
Ele enfatizou, porém, que sua pesquisa não serve para culpar ouvintes ou artistas, mas sim para cobrar maior transparência de dados e responsabilidade ambiental das empresas por trás das plataformas de streaming musical.
Billie Eilish no Lolla 2023
Rafael Leal / g1
Política, música e clima
“Ninguém é perfeito no combate às mudanças climáticas. Mas há muitas coisas que podemos fazer, assim como há muita tecnologia para nos ajudar e muitas leis ambientais que devemos obedecer”, afirma Amy, da MSA.
A legislação ambiental esbarra na indústria musical em contextos diversos. Nesta semana, o videoclipe de “Lifetimes”, de Katy Perry, começou a ser investigado na Espanha por supostos danos ambientais. A suspeita é de que sua gravação tenha ocorrido sem autorização e prejudicado as dunas protegidas de S’Espalmador, nas Ilhas Baleares.
Katy Perry em ‘Lifetimes’
Reprodução/YouTube
“A gente precisa de política cultural voltada a uma sustentabilidade que não se resuma a dar ecobag, copo reutilizável e plantio em festival”, diz ao g1 Marcele Oliveira, produtora cultural e cofundadora da Coalizão O Clima é de Mudança.
“Esse é um debate de política pública. Antes de falar que Anitta, Caetano Veloso ou Maria Bethânia precisam fazer mais do que discurso sustentável, é necessário formularmos quais parâmetros nosso país vai adotar para a indústria musical.”