

Hugo Motta busca manter equilíbrio político na Câmara – Foto: Kayo Magalhaes/Câmara/ND
Cem dias após assumir o comando da Câmara dos Deputados, numa eleição que teve o apoio de quase a totalidade da Casa, do PL ao PT, Hugo Motta (Republicanos-PB) passou de promessa a incógnita na condução dos trabalhos da Casa, e ainda tenta imprimir seu próprio ritmo.
Para o professor de ciências políticas do IBMEC de Belo Horizonte, e da Universidade Federal de Ouro Preto, Adriano Cerqueira, Motta patina na tentativa de imprimir uma marca própria na Câmara dos Deputados, e ainda não conseguiu achar o tom certo de seu mandato.
Para o cientista político, Motta, apadrinhado pelo então presidente Arthur Lira (PP-AL) para sucedê-lo, enfrenta dificuldades para emplacar uma agenda de votações, e tem se mostrado uma figura mais “apagada” do que era esperado dele.
Talvez justamente pelo fato de ter sucedido Lira (PP-AL), que nos dois primeiros anos de mandato atuou como uma espécie de primeiro-ministro do governo de Jair Bolsonaro; e num segundo mandato também se destacou como protagonista de diversos embates com o governo, Motta enfrente uma certa dificuldade, avalia Adriano Cerqueira.
Por outro lado, o apadrinhamento de Arthur Lira também deveria ter dado maior fôlego a Hugo Motta no estilo de presidir a Câmara dos Deputados. “O fato de ter sido indicado por Lira deveria ter sido um ponto positivo para ele [Motta]. Ele deveria ter se espelhado na atuação do Arthur Lira”.

Presidente da Câmara, Hugo Motta – Foto: Bruno Spada/Câmara/ND
Hugo Motta, por enquanto, ainda está na promessa, diz analista
Ainda na avaliação do professor Adriano Cerqueira, Hugo Motta não soube se impor até o momento na condução de seus “pares”, sem conseguir ter uma linha própria. “A Câmara dos Deputados não está funcionando”, afirma Adriano Cerqueira.
O cientista destaca que o espaço para mostrar habilidade política seria agora, já que estamos caminhando para o segundo semestre, e o próximo ano será marcado pela disputa eleitoral, com as atenções voltadas principalmente para a sucessão presidencial.
“Ele [Hugo Motta] tem que mostrar habilidade, mas imediatamente. Ele está paralisado, sob fogo cruzado, entre governo e oposição. Lira soube driblar isso, mostrar uma certa independência, e se impor aos dois lados. Hugo Motta demonstra fragilidade, mas ao que tudo indica, tende a ceder mais ao governo do que à oposição”.
O professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Piauí, Elton Gomes, também acredita que Hugo Motta parece um ator “vulnerabilizado”na condução da Câmara dos Deputados, com um mandato apagado até o momento.
Mas isto, na opinião do analista, ainda pode mudar, já que “a política é a arte do possível”, e é preciso coadunar interesses. Além disso, para o professor de ciências políticas, fora o fato de precisar alinhar interesses extremamente polarizados na Câmara, Motta enfrenta questões pessoais envolvendo familiares, especialmente em relação a ações judiciais.
Cem dias após, temas de interesse do governo e da oposição caminham a passos lentos
Nos bastidores da Câmara, há quem reclame de uma aproximação de Hugo Motta com o governo Lula. Motta integrou a comitiva do presidente em viagem recente para a Ásia e para a Itália, mas até mesmo essa proximidade não tem ajudado a pautar projetos de interesse do governo.
De 48 propostas apresentadas pelo Planalto como prioridades para a Câmara, até agora, na segunda quinzena de maio, apenas as novas regras de destinação de recursos em casos de calamidade; e a ampliação em 30% nas cotas raciais para o serviço público foram aprovadas.
Já a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil reais, defendida pelo governo, começou a ser discutida recentemente, com a instalação de uma Comissão Especial que só deverá concluir os trabalhos entre agosto e setembro, conforme informou o presidente, Rubens Pereira Júnior (PT-MA).
Anistia: falta de acordo emperra trabalhos na Câmara
Deputados, principalmente de oposição, também dificultam o andamento da Câmara, ao tentar forçar o presidente Hugo Motta a pautar a polêmica discussão da anistia para os manifestantes que participaram dos atos do 8 de janeiro de 2023.
Embora os deputados tenham conseguido apoio para aprovar um requerimento de urgência para um projeto de lei que concede perdão a atos praticados por manifestantes políticos, Hugo Motta deixou para os líderes a responsabilidade de pautar a matéria.

Zucco prometeu obstrução após Hugo Motta adiar urgência de anistia – Foto: Luciano Zucco/@zucco/Reprodução/ND
Segundo avaliam alguns parlamentares, em caráter reservado, Hugo Motta evita se indispor para não bater de frente com o Supremo Tribunal Federal, que analisa o inquérito do caso, e não se mostra simpático a causa da anistia.
O próprio Hugo Motta, pressionado, já defendeu penas mais brandas para alguns casos de envolvidos nas manifestações, mas tem preferido dizer que é preciso encontrar alternativas para punir quem teve responsabilidade por danos, e os financiadores dos atos.
E enquanto isso, a oposição pressiona como pode, usando a tática da obstrução. Ou seja, deputados atrasam votações e utilizam técnicas para postergar as sessões e deliberações do plenário.
Fraude no INSS e pedidos de CPI são novos desafios para Hugo Motta
Além da anistia, e dos problemas com as interferências do STF em matérias da Câmara, como a questão do trancamento da ação penal contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), Hugo Motta ainda terá que enfrentar a pressão pela instalação da CPI do Roubo dos Aposentados.
Deputados protocolaram pedido de instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar os desvios irregulares de R$ 6,1 bilhões nos benefícios de segurados do INSS.
Até agora, Hugo Motta disse que há outros 12 pedidos de investigação “na fila”. Outra alegação do presidente foi o fato de que o regimento da Câmara permite apenas o funcionamento simultâneo de cinco CPIs.
Mas há quem diga, nos corrredores, que Hugo Motta também não teria muito interesse nesta CPI pela recente descoberta de um ex-assessor envolvido no esquema dos desvios do INSS.

Prédio do Instituto Nacional do Seguro Social. – Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
A Conafer, entidade que teve como diretor Jeronimo Arlindo da Silva Junior, o “Júnior do Peixe”, é a segunda instituição com maior volume de descontos associativos no INSS, um total de R$ 484 milhões entre 2019 e 2024.
Júnior do Peixe foi nomeado como secretário parlamentar no gabinete de Hugo Motta entre outubro de 2020 e fevereiro de 2021. Durante esse período, ele também exercia o cargo de diretor de Assuntos Institucionais da Conafer, justamente a entidade sob suspeita de operar irregularmente o recolhimento desses valores.
Júnior do Peixe também tem laços políticos com o Republicanos, legenda presidida por Motta. Em 2024, ele tentou disputar o cargo de vice-prefeito de Marizópolis, no sertão da Paraíba, região onde a família Motta mantém forte controle político, pelo partido.