
Promotor diz que concessionária Urbia faz ‘exploração predatória e má gestão do parque’ e afirma que pode pedir cancelamento do contrato de concessão. Empresa e prefeitura dizem que exploração está dentro das normas contratuais. Vista aérea do Parque Ibirapuera, na Zona Sul de São Paulo
Montagem/g1/Divulgação/Urbia
O Ministério Público de São Paulo abriu um inquérito para investigar a Prefeitura de São Paulo e a concessionária Urbia por uso e segregação de espaços públicos para fins particulares dentro do Parque Ibirapuera, na Zona Sul da capital paulista.
Segundo o promotor Silvio Marques, a investigação apura o excesso de cobranças por serviços privados e a exposição de marcas dentro das áreas públicas do Parque Ibirapuera, práticas que vêm sendo adotadas pela concessionária Urbia desde o início da concessão, em outubro de 2020.
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O inquérito foi iniciado com a reclamação dos usuários sobre a cobrança para a atuação de assessorias esportivas, mas foi expandido em razão de outras taxas e reclamações que têm chegado à Promotoria de Patrimônio Público.
O MP também questiona o excesso de shows e festivais privados de música que tem limitado o acesso do público às áreas e afugentado os animais do parque, que estão migrando para as casas vizinhas.
“A partir dos depoimentos que temos colhido, é possível dizer que tem acontecido uma privatização gradual e constante de espaços públicos comuns dentro do Ibirapuera, o que é inaceitável. É um processo de transformação de um patrimônio público em shopping center que fere a Constituição Federal”, disse Silvio Marques ao g1.
“O parque é uma área de uso comum da população e não do uso exclusivo de algumas pessoas ou de algumas empresas que podem pagar alguma coisa lá. O que nós estamos vendo nesse momento é a total descaracterização como parque”, argumentou.
Banho no parque a R$ 150
Um dos questionamentos do Ministério Público é sobre a Casa Ultravioleta Nubank, que foi construída dentro do Ibirapuera para atender parte dos clientes da fintech.
Iniciado em novembro do ano passado, o espaço é uma mistura de café com coworking e conta com quatro vestiários equipados com duchas privativas de banho para uso após as práticas esportivas.
A área foi erguida onde antes era uma base da Guarda Civil Metropolitana (GCM) dentro do parque e apenas os clientes do Nubank podiam usar o local.
Antes e depois da base da GCM dentro do Parque Ibirapuera, que foi transformada em espaço privativo pelo banco Nubank
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A exclusividade do espaço foi questionada pela própria pefeitura que, através de Procuradoria do Município, determinou a suspensão das atividades em fevereiro.
“Equipamentos públicos sociais municipais são espaços públicos que oferecem serviços de educação, saúde, cultura, lazer, entre outros, a toda a população, ou seja, sem exclusão de público. O fato de a Casa Nubank oferecer seus serviços a um público exclusivo, discriminando o uso desse ambiente pelos demais munícipes que não fazem parte do ‘seleto’ grupo de clientes Ultravioleta, desrespeita a legislação municipal que dispõe sobre o contrato de concessão em questão”, afirmou o parecer da PGM.
Depois desse parecer pedindo o fechamento da Casa Nubank, o banco resolveu ampliar o público que é atendido pelo espaço e agora cobra R$ 150 pela entrada para qualquer usuário que queira usar a área.
Porém, o promotor Silvio Marques vê essa cobrança como mais um indício de que a Urbia está “loteando o Parque Ibirapuera”.
“A criação de recintos ‘reservados’ ou exclusivos é completamente predatória, discriminatória e ilegal. A concessionária, em verdade, está loteando o Parque do Ibirapuera transformando-o em um ‘shopping center a céu aberto’, com espaços exclusivos de empresas que podem pagar taxa ou aluguel. Com isso, já há a redução substancial de espaço livre de uso comum da população dentro do parque”, escreveu em ofício enviado à Secretaria de Verde e Meio Ambiente da gestão Ricardo Nunes (MDB).
Casa Nubank no Parque do Ibirapuera: banho, café e dia de trabalho por R$150 a cada duas horas.
Montagem/g1/Divulgação/Nubank
No ofício, o promotor falar em pedir na Justiça o cancelamento do contrato de concessão do parque, entre a gestão municipal e a Urbia (caducidade).
“É patente o descumprimento do instrumento contratual e da Lei, o que também possibilita a decretação administrativa da caducidade pela SVMA. Assim, é necessário verificar junto à secretaria do Verde quais medidas estão sendo tomadas para extinção do contrato, bem como obter informações sobre eventuais sanções aplicadas à Urbia pela exploração predatória e má gestão do espaço concedido.”
O que dizem os envolvidos
Casa Ultravioleta do Nubank dentro do Parque do Ibirapuera é alvo de ação do Ministério Público de SP.
Divulgação/Nubank
Por meio de nota, o Nubank informou que “ainda não foi notificado através dos canais institucionais e reforça que está comprometido em respeitar as regulamentações vigentes”.
Já a Secretaria do Verde afirmou que, “após fiscalização realizada, a concessionária responsável pela gestão do Parque Ibirapuera alterou o acesso ao espaço [Nubank], que segue aberto ao público e de acordo com o Contrato de Concessão”.
“A SVMA continua fiscalizando os serviços prestados para garantir o cumprimento integral das diretrizes contratuais e prestando todos os esclarecimentos aos órgãos competentes”, disse.
Sobre o inquérito do MP sobre a “exploração predatória e má gestão do espaço” alegada pelo promotor, a pasta gerida pelo secretário Rodrigo Ashiuchi declarou que “vem prestando todas as informações solicitadas pelo Ministério Público, de forma colaborativa e transparente, a respeito dos serviços previstos no Contrato de Concessão do Parque Ibirapuera”.
“A pasta reforça seu compromisso com a legalidade, a proteção ambiental e o diálogo com os órgãos de controle, permanecendo à disposição para solicitações adicionais. A SVMA segue cumprindo com seu papel de fiscalizar as ações realizadas pela concessionária Urbia, responsável pela gestão do espaço, e tomando as medidas cabíveis dentro das diretrizes contratuais vigentes”, declarou em nota.
O diretor da Urbia – Samuel Lloyd, o promotor Silvio Marques, do MP-SP, e o novo secretário do Verde da cidade, Rodrigo Kenji Ashiuchi.
Montagem/g1/Reprodução/TV Globo/PMSP
Concessionária Urbia
Também por meio de nota, a Urbia disse que ”todos os apontamentos do inquérito são infundados e a concessionária já se manifestou formalmente com os argumentos contratuais e legais”.
A empresa também declarou que “vê indícios de que o inquérito pretende questionar o contrato celebrado e, especialmente, o modelo de concessão”.
“Salientamos que a atuação da companhia tem aprovação de quase 90% dos frequentadores, além de ser uma política pública que se mostrou vitoriosa e tem inspirado iniciativas similares por todo o país. Todas as atividades objeto de apuração pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) estão integralmente respaldadas pela legislação vigente e pelo Contrato de Concessão”.
“A comparação do parque com um shopping center também é inverídica uma vez que não há lojas, mas apenas pontos de alimentos e bebidas e souvenirs. Os espaços presentes no parque hoje foram reduzidos em relação ao período pré-concessão. Os pontos atuais constituem obrigação contratual com a inclusão de 169 vendedores autônomos ao projeto, pessoas que trabalham no parque há décadas. Hoje, não superam 140 unidades”, disse a empresa.
A Urbia também afirmou que, desde 2020, o Parque Ibirapuera “é mantido exclusivamente com recursos privados, sem aporte de verbas públicas, o que viabiliza elevados padrões de conservação, segurança patrimonial, infraestrutura e atendimento à população”.
Cobrança esportiva e festivais
Concessionária do Parque Ibirapuera começa a cobrar taxa de assessorias esportivas particulares
Outro alvo do inquérito do Ministério Público é a cobrança de taxa para as assessorias esportivas que usam o Ibirapuera para atender seus alunos.
Os valores variavam de R$ 240 a R$ 1,5 mil, conforme o tamanho da turma, e começou a ser cobrado em janeiro, após comunicado divulgado em novembro do ano passado às empresas que atuam no parque.
Conforme o g1 já publicou, a gestão Nunes havia determinado o fim da cobrança em março deste ano, mas a Urbia continua aplicando a taxa e dizia que conversava com o Ministério Público para regulamentar essas atividades dentro do parque.
Agora, a SVMA mudou de opinião e afirmou em nota que “após reuniões com os envolvidos, as questões referentes à regularização das atividades das assessorias esportivas foram equacionadas com entendimento e ajustes de ambas as partes”.
“A concessão garante o direito de exploração do objeto do contrato e o Plano Diretor do Ibirapuera conceitua a ‘assessoria esportiva’ como atividade de exploração econômica e passível de cobrança”, declarou.
A Urbia justifica a manutenção da taxa dizendo que “o contrato estabelece de forma expressa a prerrogativa da concessionária sobre a gestão das atividades comerciais nos espaços concedidos, incluindo a oferta de produtos e serviços”.
“A legitimidade da cobrança de taxas já foi reconhecida pela Prefeitura de São Paulo. Trata-se de uma lógica clara: quem obtém receita no parque deve contribuir para sua manutenção e aprimoramento, em benefício de todos os frequentadores”, afirmou.
Mas o promotor Silvio Marques diz que pode tomar medidas civis e criminais contra a Urbia e a SVMA se a taxa for mantida.
“Há informações no sentido de que representantes da Urbia estão achacando e constrangendo ilegalmente usuários do Parque e representantes de assessorias visando à cobrança de ‘taxas’ ou mesmo os impedindo de utilizar o local”, escreveu o promotor.
No inquérito, o MP-SP ouviu o depoimento de um publicitário que afirmou ter sido impedido por escrito de usar o parque para correr com um grupo de amigos que se reúne mensalmente para realizar treinos de corrida.
“Tenho um grupo de corrida que, normalmente, corro com meus amigos uma vez por mês, lá no Parque Ibirapuera. Na última corrida, fui impedido pela Urbia, recebendo uma notificação extrajudicial que eu não poderia realizar a minha corrida com meus amigos lá dentro. Pelo fato de eu ter marcado, lá no planetário, por estar usufruindo o parque de uma maneira coletiva, digamos assim. Somos em uns 30, 40 amigos. Não cobro nada deles. Eles interpretaram de uma maneira equivocada, e me mandaram essa notificação”, disse o publicitário ao MP.
Outro problema investigado pelo MP são os festivais privados de música que têm ocorrido no parque após o início da concessão. Nos próximos meses, ao menos três deles já estão programados com ingressos que variam de R$ 280, a meia-entrada, até quase R$ 1 mil (C6 Fest, Festival Turá, Popload e Best of the Blues and Rock).
Esses festivais deixaram de ter acesso gratuito e agora ocupam áreas expressivas do parque por vários dias, impedindo o acesso dos munícipes à área do Auditório do Ibirapuera, fechadas por tapumes. A área ganhou o nome de “Arena Heineken”, em alusão a uma marca de cervejas.
As associações dos bairros de Moema, Vila Nova Conceição, Vila Mariana e Jardim Lusitânia desde o ano passado procuraram o MP para reclamar do excesso de festivais no parque.
Festival Turá, no Parque Ibirapuera, em SP, com shows de grandes nomes da música brasileira
Divulgação
Nos depoimentos da vizinhança colhidos pela Promotoria, os vizinhos reclamam dos shows que seguem até tarde da noite por três dias seguidos, com impacto no trânsito, no sossego de quem mora no entorno e na vida de animais que vivem no parque.
“A vizinhança já nos relatou que espécies que vivem no parque têm buscado refúgio nas casas ao lado por causa do barulho, das luzes e da presença massiva de pessoas. Há um evidente abuso ao transformar o parque numa casa de shows privada, que descaracteriza o equipamento público para fins particulares e que precisa também ser objeto de investigação”, declarou Silvio Marques.
O promotor reafirmou a necessidade de judicializar a concessão para que mais danos ambientais e patrimoniais não sejam cometidos dentro do Ibirapuera.
“Um parque público não deve ser utilizado para esse tipo de exploração comercial. O parque público é para uso da população. A empresa pode explorar, desde que não invada o espaço da população. Mas nesse momento, o que está acontecendo é o contrário. É a população que não pode invadir o espaço da Urbia. Isso é um completo absurdo e está em desacordo com a Constituição Federal. Nenhum contrato comercial está acima da Constituição”, declarou o promotor.
Em conversa com o SP2, da TV Globo, o diretor da Urbia Parque, Samuel Loid, disse que tem convicção do trabalho que está sendo feito no Parque Ibirapuera e declarou que tudo está sendo feito dentro da lei.
“Todas as acusações que estão no inquérito do Ministério Público são absurdas e infundadas. Nós temos absoluta convicção de que o que nós estamos fazendo aqui já estão respondidos no próprio contrato de concessão, que passou por um processo longo de discussão da população”, afirmou.
“Todos os juristas que nós consultamos e todas as esferas que já debateram esse contrato não apontam para esse caminho. Então nós acreditamos que esse promotor do Ministério Público esteja sozinho nessa narrativa e obviamente, se esse inquérito evoluir para o Poder Judiciário, certamente, ele será derrubado na primeira instância”, declarou Loid.
Festival Turá, no Parque Ibirapuera, em SP, com shows de grandes nomes da música brasileira.
Divulgação
Alguns festivais programados para o parque nesse fim de 1° semestre:
C6 Fest 2025 (22, 23, 24 e 25 de maio – 4 dias)
Valor dos ingressos: R$ 272 (meia) / R$ 680 inteira + taxas R$ 136 – cada dia
Horário dos shows: 16h (1ª apresentação) até 23h (início da última apresentação)
Best of Blues and Rock – 2025 (07 e 8, 14 e 15 de junho – 2 finais de semana)
Valor dos ingressos: R$ 405 (meia) / R$ 810 (inteira) – cada dia
Horário dos shows: 14h30 (início) / Horário do show final ainda não disponível no site
Popload Festival (31 de maio – 1 dia)
Valor dos ingressos: R$ 506 (meia/solidária) / R$ 828 (inteira)
Horário dos shows: ainda não definidos.