Delfim Netto, ex-ministro e ex-deputado, morre aos 96 anos

Ele foi ministro da ditadura militar e interlocutor de governos de esquerda; assinou o AI-5 e a Constituição de 1988. Morre, ao 96 anos, Delfim Netto
Morreu nesta segunda-feira (12), em São Paulo, aos 96 anos, o ex-ministro e ex-deputado Delfim Netto.
Sempre que alguém estudar os últimos 60 anos da economia brasileira vai encontrar a presença constante de Delfim Netto. Por alguns períodos, como comandante dos rumos; em outros, como conselheiro de líderes, e quase sempre como um estudioso e pensador.
Também vai encontrar as grandes contradições da vida do economista. Foi ministro da ditadura e interlocutor de governos de esquerda. Aos 38 anos, em 1967, o então professor de economia da USP se tornou o mais jovem a ocupar o cargo de ministro da Fazenda. Foi um dos responsáveis pelo chamado “milagre econômico” durante os governos militares de Costa e Silva e Médici – período em que o Brasil atraiu investimentos estrangeiros, aumentou as exportações, que o PIB cresceu a taxas de dois dígitos e que a inflação despencou.
É dessa época que se atribuiu a ele a frase: “É preciso fazer o bolo crescer para depois dividi-lo” – uma frase que ele negou ter dito.
“O milagre é efeito sem causa. Nossos brasileiros trabalharam, cresceram, todo mundo melhorou, uns melhoraram mais que outros. É por isso que se diz que a distribuição de renda piorou. A distribuição de renda, o índice mede distância entre pessoas. A distância entre as pessoas cresceu, mas todos melhoraram”, disse Delfim Netto em março de 2014.
Nesse mesmo período, Delfim Netto foi um dos ministros que assinaram o Ato Institucional Número Cinco, o AI-5, um dos mais repressivos da ditadura militar.
“Deveríamos dar a Vossa Excelência, ao Presidente da República, a possibilidade de realizar certas mudanças constitucionais que são absolutamente necessárias para que esse país possa realizar seu desenvolvimento com maior rapidez”.
Em 2013, na Comissão da Verdade da Câmara dos Vereadores de São Paulo, disse que, se as condições fossem as mesmas, assinaria novamente o ato, mas dizia que, à época, não sabia que pessoas tinham sido presas e torturadas.
Depois de ser embaixador na França, voltou ao governo de outro general, Figueiredo. Ficou cinco meses à frente do Ministério da Agricultura. E das dificuldades do economista na área agrícola surgiu o personagem de Jô Soares: Dr. Sardinha.
Logo depois, Delfim Netto assumiu o Ministério do Planejamento, quando o milagre já tinha virado crise. O Brasil enfrentou queda do PIB, disparada da inflação, aumento da dívida externa e da pobreza. Ele permaneceu à frente da pasta até o fim da ditadura militar.
Com a volta da democracia, Delfim Netto se reinventou politicamente. Foi eleito deputado federal por cinco mandatos seguidos- a primeira vez como constituinte. No Congresso, sempre teve influência nos debates econômicos do país. Alternou elogios e críticas a Fernando Henrique Cardoso. Foi um dos principais conselheiros econômicos do presidente Lula e de Dilma Rousseff; ajudou Michel Temer na formação de uma nova equipe.
Delfim Netto estava internado há uma semana por complicações no quadro de saúde. Ele deixa uma filha e um neto.
“Você é feliz se a profissão te encontra e se você aceita o encontro. Eu nunca trabalhei, eu só vivi. Até hoje”, disse Delfim Netto em julho de 2020.
Repercussão
Durante todo o dia houve manifestações de autoridades. O presidente Lula divulgou uma nota oficial. Diz que Delfim Netto era um adversário político inteligente; afirmou que durante 30 anos fez críticas a Delfim Netto; que na campanha em 2006 pediu desculpas publicamente porque Delfim Netto foi um dos maiores defensores das políticas de desenvolvimento e inclusão social implementadas nos dois primeiros mandatos dele; e que Delfim participou muito das discussões de políticas públicas daquele período.
Em uma rede social, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que Delfim Netto merece respeito por ter se dedicado ao progresso econômico brasileiro.
Os presidentes do STF – Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso; do Senado, Rodrigo Pacheco, do PSD; e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, do Progressistas, também prestaram homenagens a Delfim Netto.
Luís Roberto Barroso disse que “Delfim Netto prestou serviços ao Brasil em diferentes momentos históricos. Nos períodos mais recentes, após a redemocratização, foi conselheiro econômico de mais de um governo e atuou em projetos de inclusão social que levaram ao desenvolvimento econômico do país”.
O mesmo tom de Rodrigo Pacheco:
“Profundo conhecedor das ciências econômicas, ocupou papel altivo na história do Brasil desde 1967”, disse.
Arthur Lira recordou a passagem de Delfim Netto pela Câmara dos Deputados:
“Ele exerceu o mandato de deputado federal por 20 anos, inclusive tendo sido um dos formuladores econômicos na Constituinte”, afirmou.
Banco Central, Federação Brasileira de Bancos, ministérios da Fazenda, do Planejamento, governadores, parlamentares e economistas fizeram homenagens a Delfim.
Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda no governo José Sarney, fez parte da equipe econômica do então presidente João Figueiredo, quando Delfim Netto era ministro do Planejamento.
“Um grande legado para o Brasil. O seu conhecimento da agricultura, do café, da economia brasileira, dos desafios do país. Enfim, foi um legado de enorme importância para o país”, destaca Maílson.
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