‘A economia de Francisco’: o que é o movimento econômico inspirado e apoiado pelo papa


Presente em mais de 20 países, grupo trabalha para investir no desenvolvimento de um sistema econômico que prioriza a dignidade humana, a justiça social, a paz e o respeito ao meio ambiente. Papa Francisco esteve em Aparecida, em 2013
Bruno Miani/A Tribuna Jornal
Defensor dos mais pobres durante seus 12 anos no comando da Igreja Católica e até chamado de comunista em diversas ocasiões, o papa Francisco — que faleceu nesta segunda-feira (21), aos 88 anos — inspirou a criação de um movimento econômico liderado por jovens economistas, empreendedores e pesquisadores.
Batizado de “A economia de Francisco” (EoF, na sigla em inglês), o movimento surgiu após um convite do papa, que pedia que as novas gerações criassem uma economia mais inclusiva e globalizada.
Assim como Jorge Mario Bergoglio, que escolheu o nome Francisco como pontífice, o grupo se inspira na história de São Francisco de Assis. Ele foi o criador da Ordem Franciscana da Igreja Católica, que preza pela renúncia à riqueza para servir aos pobres. Ele também é conhecido como o santo dos animais e do meio ambiente.
Hoje presente em mais de 20 países, inclusive o Brasil, o movimento “A economia de Francisco” trabalha para investir em empreendimentos e pesquisas que acelerem o desenvolvimento de um sistema econômico que prioriza a dignidade humana, a justiça social, a paz e o respeito ao meio ambiente.
Entenda nesta reportagem:
Como surgiu “A economia de Francisco”
O que faz “A economia de Francisco”
Quais os pilares do movimento apoiado pelo papa
O que dizia Francisco sobre economia, comunismo e o papel da Igreja
O pacto para “A economia de Francisco”
‘Deus é brasileiro’, ‘eis-me aqui’… mensagens do papa Francisco
Como surgiu “A economia de Francisco”
“Caros amigos, escrevo para convidá-los para uma iniciativa que tanto desejo. Um evento que me vai me permitir encontrar jovens homens e mulheres que estudam ou interessados em uma economia diferente — uma que gera vida e não mata, que inclui e não exclui, que humaniza e não desumaniza, que cuida do meio ambiente e não o saqueia. Um evento para nos ajudar a nos encontrar, a estar juntos e a fazer um ‘pacto’ para mudar a economia de hoje e dar alma à economia de amanhã.”
Com essas palavras, enviadas do Vaticano em 1° de maio de 2019, o papa Francisco iniciava uma carta convidando todos os jovens católicos interessados em pensar em uma forma diferente de fazer economia.
O convite era para um encontro com o próprio papa e outros profissionais experientes da área econômica na cidade de Assis, na Itália, para discutir, entre outros pontos:
novos entendimentos sobre a economia e o progresso;
o combate à cultura do desperdício;
formas de dar voz aos desassistidos;
propostas de um novo estilo de vida, guiado pela respeito à natureza e ajuda aos mais pobres.
O evento foi adiado devido à pandemia de Covid-19, mas o convite foi suficiente para iniciar o movimento.
Milhares de jovens estudantes, economistas, pesquisadores e empreendedores de várias partes do mundo se reuniram em eventos online ao longo de três anos, iniciando pesquisas e apoiando projetos pessoais e coletivos que acelerassem a implementação dessa nova economia.
Em setembro de 2022, o encontro presencial finalmente aconteceu, e os jovens assinaram um pacto com o papa, comprometendo-se a transformar suas próprias relações com o sistema e o futuro da economia em uma “economia do Evangelho”, que não financie guerras, combata a proliferação de armas e se coloque a serviço de todas as pessoas.
“Uma economia que não deixe ninguém para trás, que reconheça e proteja o trabalho digno e seguro para todos, uma economia onde as finanças sejam amigas da economia real e do trabalho, uma economia que salvaguarde as culturas, as tradições dos povos, todas as espécies vivas e os recursos naturais da Terra”, determinou o pacto. (veja o texto completo mais abaixo)
Papa Francisco se despedindo de jovens em evento do movimento ” A economia de Francisco”
Reprodução/The Economy of Francesco
Voltar ao início.
O que faz “A economia de Francisco”
Desde a implementação do movimento, os participantes se dividem em três áreas principais:
📚 Educação e pesquisa;
💼 Empreendedorismo;
📍 Eventos locais e globais.
📚 A maioria dos projetos da comunidade estão na área de educação e pesquisa.
O principal deles é o EoF Academy, uma rede internacional de jovens acadêmicos que oferece, anualmente, um plano de atividades educacionais e bolsas de estudo para pesquisadores de mestrado, doutorado e pós-doutorado interessados em se aprofundar nos pilares da economia de Francisco.
A comunidade também realiza, anualmente, um curso de verão (na segunda metade do ano, por conta das estações no hemisfério norte). O EoF Summer School é um curso intensivo de poucos dias voltado para estudantes ou profissionais das áreas de ciências sociais e econômicas, abordando temas como comércio e lucros sob a perspectiva da nova economia.
Ainda na área de educação, há o EoF School, uma escola online com aulas mensais em inglês para interessados de qualquer parte do mundo sobre temas econômicos a partir da visão da economia de Francisco. As aulas incluem palestras e atividades em grupo.
💼 Na área de empreendedorismo, a comunidade promove eventos e iniciativas para apoiar negócios alinhados aos pilares da economia defendida pelo movimento.
Os participantes são incentivados e ensinados, por meio de aulas, palestras, workshops, mentorias e encontros de relacionamento com outros profissionais, a desenvolver seus próprios negócios nas regiões onde moram.
O movimento busca parcerias com fundações, associações e atores privados para apoiar e investir na criação e expansão desses negócios, todos fundamentados nos pilares do movimento.
📍 Os eventos regionais e globais organizados pelo movimento buscam reunir jovens de diferentes territórios e religiões para conscientizar e transformar hábitos que podem ser destrutivos para uma economia mais justa e sustentável.
Em 2025, por exemplo, haverá um evento global em novembro, com milhares de participantes discutindo formas de restaurar a economia para que ela possa “servir à vida das pessoas”, e não o contrário.
Para isso, a organização convida os jovens do mundo inteiro a, entre abril e novembro, adotarem propósitos pessoais — como optar por bancos e negócios éticos e reduzir o consumismo — e realizarem caminhadas até locais em suas cidades que promovem um modelo financeiro que respeite a dignidade humana.
Voltar ao início.
Quais os pilares do movimento apoiado pelo papa
São 12 os pilares que guiam as atividades do movimento “A economia de Francisco”:
Políticas para a felicidade: a defesa pela possibilidade de a economia viabilizar momentos e espaços para as relações interpessoais e práticas que estimulem qualidade de vida e felicidade;
Energia e pobreza: a defesa pela transição energética global para uma energia verde e limpa, com compartilhamento de tecnologias entre governos e empresas de países ricos e pobres para que todos tenham acesso;
Vida e estilo de vida: a transformação no modo de consumir, adotando uma postura mais consciente que evite desperdícios, exageros e prejuízos ao meio ambiente;
Negócios e paz: a condenação de “investimentos perversos”, que valorizem armas ou o lucro acima da vida das pessoas;
Mulheres na economia: a inclusão de mulheres nos negócios, com acesso a educação e outras ferramentas para prosperar;
Negócios em transição: o auxílio e incentivo para a transição de negócios já existentes em um modelo mais sustentável;
Trabalho e cuidado: a defesa por uma cultura de trabalho que priorize a dignidade das pessoas, reconheça a contribuição de cada trabalhador, gere valor econômico compartilhado e elimine a pobreza no trabalho;
CO2 e desigualdades: o incentivo a estudos sobre as melhores formas de conduzir negócios e a economia de forma a proteger a humanidade de forma integral;
Gestão e doação: a defesa por um estilo de liderança que valorize as pessoas acima da “supremacia” de alguém;
Vocação e lucro: o auxílio aos jovens que buscam entender qual sua vocação para o trabalho e como conseguir uma boa vida financeira a partir disso;
Agricultura e justiça: a criação e apoio para projetos agrícolas que promovem acesso à terra e comida para todos;
Finanças e humanidade: a defesa pela conversa com mercados financeiros para a promoção de negócios que favoreçam o desenvolvimento humano de forma integral para todos.
Voltar ao início.
O que dizia Francisco sobre economia, comunismo e o papel da Igreja
A escolha do nome Francisco como sua alcunha como papa revela a visão do argentino Jorge Mario Bergoglio sobre dinheiro e economia.
Membro da ordem religiosa dos Jesuítas, que também pregam o voto de pobreza, o papa Francisco escolheu homenagear o santo que renunciou às riquezas e propriedades de sua família para servir a Deus e aos mais pobres.
Francisco nunca escondeu sua visão sobre as questões econômicas da Igreja e do mundo.
Logo no início de seu papado, em julho de 2013, Francisco disse que “dói ver um padre ou uma freira com um carro de último modelo” e defendeu que “eles precisam cumprir seu voto de pobreza”.
“(São) Francisco era um homem pobre. Como eu gostaria que a Igreja fosse pobre… e para os pobres”.
Ao convocar os jovens para “criar uma nova economia”, iniciando o movimento “A economia de Francisco”, o papa defendeu que a economia deveria gerar vida, e não matar.
Em outro evento de finanças, o “Diálogos por uma Finança Integralmente Sustentável”, o pontífice disse que “o dinheiro deve servir, não governar”, referindo-se aos países governados por interesses financeiros, e não sociais.
“Uma reforma financeira que não ignore a ética exigiria uma vigorosa mudança de atitude por parte dos líderes políticos”, afirmou.
A defesa por uma economia mais justa, do ponto de vista social, continuou até seus últimos meses de vida.
No livro autobiográfico “Vida. A Minha História na História”, lançado em 2024, Francisco — que foi taxado e questionado em diversas ocasiões sobre ser comunista — escreveu que “falar dos pobres não significa automaticamente ser comunista” e que “os pobres são a bandeira do Evangelho e estão no coração de Jesus”.
“Nas comunidades cristãs se partilhava a propriedade: isto não é comunismo, isto é cristianismo puro!”
Em setembro do ano passado, Francisco realizou uma homilia marcante sobre a pobreza e o comunismo, afirmando que é necessário estar atento aos mais pobres e vulneráveis porque é o que a própria Bíblia ensina.
“E isto não é comunismo, é puro Evangelho! Não é o Papa, mas Jesus, que os coloca no centro, nesse lugar. É uma questão da nossa fé e não pode ser negociada. Se não aceitardes isto, não sois cristãos!”
O papa também disse que todos dependem dos pobres, “até os ricos”, e criticou a especulação dos mercados financeiros.
“Enquanto não se resolverem radicalmente os problemas dos pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira, e atacando as causas estruturais da iniquidade, não se resolverão os problemas do mundo e, em última análise, problema algum. A iniquidade é a raiz dos males sociais”.
Voltar ao início.
O pacto para “A economia de Francisco”
Leia o texto integral do pacto assinado entre o papa Francisco e os jovens do movimento:
“Nós, jovens economistas, empreendedores e agentes de mudança, convocados aqui em Assis, de todas as partes do mundo, conscientes da responsabilidade que recai sobre a nossa geração, comprometemo-nos hoje, individualmente e coletivamente, a viver a nossa vida para que a economia de hoje e de amanhã se torne uma economia do Evangelho e, portanto:
uma economia de paz e não de guerra;
uma economia que se oponha à proliferação de armas, especialmente as mais destrutivas, uma economia que se preocupe com a criação e não a utilize indevidamente;
uma economia ao serviço da pessoa humana, da família e da vida, respeitosa com cada mulher, homem e criança, os idosos e especialmente os mais frágeis e vulneráveis;
uma economia onde o cuidado substitui a rejeição e a indiferença;
uma economia que não deixe ninguém para trás, para construir uma sociedade em que as pedras rejeitadas pela mentalidade dominante se tornem pedras angulares;
uma economia que reconheça e proteja o trabalho seguro e digno para todos;
uma economia onde as finanças sejam amigas e aliadas da economia real e do trabalho e não contra eles;
uma economia que valoriza e salvaguarda as culturas e tradições dos povos, todos os seres vivos e os recursos naturais da Terra;
uma economia que combata a miséria em todas as suas formas, reduza a desigualdade e saiba dizer como Jesus e Francisco: “Bem-aventurados os pobres”;
uma economia guiada por uma ética da pessoa humana e aberta à transcendência;
uma economia que crie riqueza para todos, que gere alegria e não apenas riquezas, porque a felicidade que não é compartilhada é incompleta.
Acreditamos nesta economia. Não é uma utopia, porque já a estamos construindo. E alguns de nós, em manhãs particularmente ensolaradas, já vislumbramos o início da terra prometida.”
Voltar ao início.
Adicionar aos favoritos o Link permanente.