
Pedido está em fase de instrução técnica que, segundo o Iphan, momento em que o corpo técnico da Instituição analisa argumentos que o justificam e coleta documentos necessários. Iphan recebe pedido de tombamento do Complexo Beira-Rio, em Piracicaba; entenda o caso
Claudia Assencio/g1
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) recebeu o pedido de tombamento do Complexo Beira-Rio de Piracicaba (SP), segundo apuração do g1, mas ainda não emitiu parecer definitivo. O processo, que inclui área abrangida por 19 imóveis de interesse histórico, artístico e paisagístico, está em fase de instrução técnica, segundo informações mais atualizadas do Iphan na última quinta-feira (17).
A extensão da área apontado no pedido de tombamento federal integra o espaço entre as pontes do Mirante e Morato nas duas margens, aproximadamente, que já é protegida pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Piracicaba.
A solicitação no âmbito federal, feita por representantes do Movimento Salve a Boyes, foi motivada, especialmente, pela existência de um projeto de construção de empreendimento imobiliário na região onde funcionava uma antiga fábrica de tecidos em Piracicaba, em frente à passarela pênsil de acesso ao Engenho Central. O local é um dos principais pontos turísticos da cidade. Entenda, mais, abaixo, na reportagem.
Parte da área do Complexo-Beira Rio em Piracicaba
Movimento Salve a Boyes/Reprodução
Em qual fase está o pedido?
O pedido está em fase de instrução técnica que, segundo o Iphan, é momento em que o corpo técnico da Instituição analisa os elementos para os quais se pleiteia o tombamento e os argumentos que justificam o pedido, e coleta os documentos necessários, como as certidões de propriedade dos imóveis que serão tombados.
Quais são as próximas fases?
Em seguida, o processo, com as devidas manifestações técnicas, será analisado pelo Departamento do Patrimônio Material (Depam), que deverá se manifestar sobre o pedido. Mas a decisão final sobre o tombamento cabe ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Iphan.
O pedido de tombamento está calcado no entendimento de que é preciso proteger o zoneamento urbano da região onde se encontra o Complexo, sua configuração urbana e geomorfológica e seus valores paisagísticos e o usufruto público do espaço.
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Projeto imobiliário
O projeto de construção do empreendimento imobiliário particular no local onde funcionou a antiga fábrica de tecidos “Boyes”, no Complexo Beira Rio em Piracicaba (SP), foi indeferido pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) em 2023, conforme informou o órgão do governo estadual ao g1 na ocasião.
A decisão do Condephaat, órgão da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo, levou em conta aspectos como efeitos negativos do projeto ao entorno da área da fábrica. A medida cabe recurso.
Antiga fábrica de tecidos ‘Boyes’ em Piracicaba
Claudia Assencio/g1
“O parecer do Conselho acompanhou a análise técnica da Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico (UPPH) quanto ao prejuízo à paisagem da área envoltória da Casa do Povoador em parâmetros de ambiência, destaque e visibilidade”, aponta em parte da nota enviada ao g1.
O projeto prevê que seis dos 13 prédios da área da antiga fábrica, em frente ao Rio Piracicaba, devem ser demolidos para construção do empreendimento. As edificações, são tombadas desde 2004 pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural (Codepac) de Piracicaba (SP), em instância municipal.
Na época, o g1 entrou em contato com a empresa responsável pelo empreendimento imobiliário Boulevard Boyes na noite desta segunda-feira. Em nota, o grupo KT Arquitetura e Negócios afirmou que não tinha sido notificado da decisão.
Em trecho do documento enviado ao g1, o Condephaat esclareceu que a medida cabe recurso da decisão do Conselho, caso o interessado desejar.
Demolição
O projeto prevê que seis dos 13 prédios da área da antiga fábrica devem ser demolidos para construção do empreendimento. As edificações, são tombadas desde 2004 pelo Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Cultural (Codepac).
A demolição foi aprovada com maioria dos votos dos membros do Codepac durante reunião extraordinária do Conselho, em junho do ano passado. Foram 12 votos favoráveis, um contrário e duas abstenções.
O que diz a empresa responsável
Em pronunciamento ao g1 em 2023, na tarde desta terça-feira (12), o grupo KT Arquitetura e Negócios afirma que o projeto segue legislação vigente e pretende oferecer espaço com valor histórico à cidade. 👇Veja documento, na íntegra, abaixo.
Entendemos e respeitamos o importante trabalho do CONDEPHAAT – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico. Informamos que não recebemos nenhuma notificação até o momento. Assim que tivermos acesso aos apontamentos, complementaremos com as informações que serão solicitadas ajudando a esclarecer o projeto e seu propósito. Nosso projeto segue rigorosamente em acordo com a legislação vigente, mantendo a proposta de trazer para Piracicaba um espaço com valor histórico em harmonia com inovação, sustentabilidade, bem-estar e qualidade de vida.
Vale lembrar que o Boulevard Boyes é um projeto único, totalmente ESG – Ambientalmente, Social e com Governança alinhada com a Sociedade Civil e Governo, que une passado e futuro com total responsabilidade. O empreendimento oferece espaço público cultural com Museu, oportunidades aos pequenos produtores e artistas locais e entretenimento a todas as classes sociais, preservando e valorizando a natureza, o turismo e o legado histórico do que é de fato importante para Piracicaba.
Estão previstas a criação de dois mil empregos diretos e indiretos, beneficiando com renda e trabalho mais de oito mil pessoas, fortalecendo a economia local, gerando novas receitas e impostos gerados, possibilitando o poder público investir em saúde, segurança e educação.
A remoção seletiva dos prédios sem valor histórico, que foram construídos ao longo da existência da Fábrica Boyes, vai valorizar a arquitetura histórica original, que é vista, visitada ou mesmo conhecida. A natureza e a área de preservação permanente às margens do Rio Piracicaba serão intocáveis e respeitadas. As torres residenciais serão sustentáveis, afastadas do rio, respeitando a altura permitida por lei e integrando-se arquitetonicamente ao Engenho Central e a cidade.
Antiga Fábrica da Boyes em Piracicaba
Claudia Assencio/g1
O que diz a prefeitura
Consultada em outubro e novembro de 2023 pelo g1, após aprovação da demolição de parte dos prédios do antigo complexo industrial da Boyes, a prefeitura de Piracicaba afirmou que
“O projeto atual manteve parte do programa apresentado e aprovado anteriormente, e também a intenção de preservar os mesmos edifícios e elementos arquitetônicos considerados relevantes para o conjunto, além de incluir elementos solicitados pelo Codepac”, informou em nota.
Audiência pública
Em 22 de novembro de 2023, uma audiência pública na Câmara para debater a proposta de construção do empreendimento imobiliário reuniu representantes da empresa responsável pelo projeto arquitetônico, membros da sociedade civil, ambientalistas, professores, arquitetos, conselheiros, bem como do poder público, entre vereadores, secretários e defensoria.
Prédio da Câmara Municipal de Piracicaba
Davi Negri/ Câmara Municipal de Piracicaba
Durante o debate, a empresa responsável pelo projeto disse que área do “Boulevard Boyes” terá 60% de acesso público. Entre os argumentos de representantes da sociedade civil contrários às obras, o grupo questionou se toda população teria condições de frequentar o local.
Clique 👉para saber mais detalhes de como foi audiência na Câmara de Piracicaba.
Manifesto
Atos contra a construção e instalação do empreendimento imobiliário particular no local onde funcionou a antiga fábrica de tecidos “Boyes”, em Piracicaba pediam a revogação do projeto. A manifestação aconteceu na região central da cidade.
Na Praça José Bonifácio, o grupo se reuniu para expor a situação, apresentar comentários sobre o projeto arquitetônico e eventuais impactos da construção, que prevê torres de até 29 andares em frente ao Rio Piracicaba.
Grupo percorre ruas do Centro de Piracicaba em direção à Praça José Bonifácio durante manifestação contra demolição de prédios tombados e construção de empreendimento na área da antiga fábrica ‘Boyes’
Adriano Sgrignero/@adriano_sgrignero
Em fevereiro de 2023, representantes do movimento denunciaram que o local vem sendo degradado continuamente. Procurada, a prefeitura informou que o prédio é particular e que cabem aos proprietários tomarem as devidas providências para manutenção e conservação do prédio.
Em fevereiro do mesmo ano, o grupo protocolou pedido de tombamento de toda área do Complexo Beira Rio, na região da Rua do Porto de Piracicaba, ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Reprodução projeto arquitetônico apresentado durante audiência pública na Câmara de Piracicaba
Reprodução/ KT Arquitetura de Negócios
‘Terreno terá 60% de acesso público’, diz arquiteto
Durante a audiência, o arquiteto Julio Takano, CEO da empresa de arquitetura, apresentou o projeto e disse que 60% do terreno será de acesso público.
“O acesso da comunidade a este espaço é um diferencial que nós queremos trazer. Piracicaba não merece perder esse patrimônio por um desleixo onde a gente pode querer preservar ou abandonar esse patrimônio, mas sim revitalizá-lo. E nós estamos aqui como especialistas para ajudar nessa revitalização”, diz.
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O requerimento assinado pelas parlamentares indica, ainda, que “o projeto colocaria em risco a manutenção da essência e da alma da cidade de Piracicaba” e que “foi aprovado sem uma consideração cuidadosa dos potenciais impactos negativos na comunidade e no meio ambiente, além da falta de um debate público amplo e detalhado”, destaca em trechos do documento.
Torres de até 29 andares
O texto defende que “a construção de quatro torres de 29 pavimentos e 90,5 metros de altura alterariam significativamente o skyline da cidade e impactariam a apreciação dos elementos históricos e naturais da região, caracterizando uma verticalização Excessiva e área não apropriada” e que “a inclusão de 440 unidades residenciais e 1500 vagas para automóveis poderia sobrecarregar a infraestrutura viária da cidade, dificultando o acesso e prejudicando o trânsito local”, conforme justificativas expostas no requerimento.
Empresa de arquitetura
A empresa de arquitetura responsável pelo projeto Boulevard Boyes apresentou a proposta no dia 3 de dezembro, no Espaço Beira Rio, e apontou como “aspectos positivos” os seguintes pontos:
revitalização e a valorização da fisionomia dos prédios históricos
preservação, construções de novos espaços,
cubos comerciais para pequenos empreendedores (artistas e artesões)criação de torres
residenciais totalmente sustentáveis, com arquitetura integrada com os prédios preservados e ao próprio Engenho Central
Projeto Boulevard Boyes
Reprodução/KTV
A empresa aponta que o projeto foi aprovado pelo Codepac com a maioria de votos dos conselheiros. “Por quase dois anos, o órgão avaliou os detalhes, solicitando ajustes, os quais foram incorporados na sua totalidade pela equipe técnica do Boulevard Boyes”, afirma.
“As torres atendem aos pré-requisitos da Prefeitura de Piracicaba no tocante à altura e sombreamento. Pela legislação, as torres poderiam ter até 29 andares e apenas uma torre tem 27 andares, portanto dois andares abaixo do limite legal”, detalha a empresa de arquitetura responsável pelo projeto.
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Claudia Assencio/G1
Altura das torres
Ao g1, a empresa salienta que torre mais alta do residencial Boyes é apenas a 25ª torre mais alta de Piracicaba ficando 58,5 metros abaixo do edifício de cota mais alta. Esta diferença equivale, por exemplo, a ter outro prédio de aproximadamente 19 andares entre a torre Boyes e a de cota mais alta na cidade”, diz a empresa de arquitetura.
“O projeto foi desenvolvido no sentido de preservar este singular remanescente industrial, integrante do patrimônio e da paisagem cultural dos piracicabanos”, diz o arquiteto Julio Takano, CEO da empresa.
Contrapartidas
Em ata da reunião que aprovou a demolição, assinada pelo presidente, Esio Antônio Pezzato, e 1º secretário do Codepac, Álvaro Luis Saviani, há menções aos questionamentos e pedidos de ressalvas feitos por outros membros do Conselho sobre os pontos, abaixo.
O empreendimento foi lançado em 2015, de acordo com o divulgado pelos responsáveis pelo empreendimento na época.
Antiga fábrica de tecido Boyes em Piracicaba
Claudia Assencio/g1
A Pequena Central Hidrelétrica (PCH), criada por Luiz de Queiroz em 1892, onde também funcionava a fábrica de tecidos Boyes, teria sido recuperada e restaurada, segundo informações publicadas na época. As obras que permitiam a reativação das máquinas foram entregues em outubro daquele ano.
Entre os aspectos mencionados pelos conselheiros, destacam-se:
Preocupação com a descaracterização do conjunto tombado diante da previsão de construção de quatro torres, de mais de 90 pelo projeto da empresa responsável pelo empreendimento imobiliário, a SPE Piracicaba.
Sugestão de contrapartidas a serem oferecidas pelo empreendimento como restauro e requalificação da Praça Boyes, integra conjunto patrimonial tombado, por seu aspecto histórico, cultural e fabril; detalhamento de espaços que serão de acesso e interesse público; construção de memorial da antiga tecelagem.
Além disso, pedem ainda estudos de impacto ambiental e de uso do solo, análise e relatório de impacto de vizinhança, bem como o licenciamento e execução de medidas mitigadoras e compensatórias.
Projeto ainda não foi aprovado
Em nota, a Prefeitura de Piracicaba (SP) afirma que o projeto não foi aprovado e nem passou por apreciação de nenhuma secretaria do Executivo.
“O Codepac esclarece que o que foi apreciado pelo conselho, após estudo extenso por comissão formada por técnicos durante um ano e meio, foi o restauro dos edifícios remanescentes no local. Nesse estudo aprovado, todas as edificações de importância histórica do conjunto fabril serão devidamente preservadas e restauradas.
Quanto à realização do empreendimento, a aprovação de novas construções, análise ambiental e demais, necessárias para aprovação e execução, devem passar pelos órgãos técnicos com essa competência, como quaisquer outros empreendimentos do município.
Dessa forma, o atual projeto do empreendimento ainda não está aprovado para construção, conforme divulgado de forma errônea em redes sociais”, finaliza.
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