Esquema das Telas Interativas: mais de 50 cidades no RS compraram equipamentos superfaturados por meio de atas de registro de preços


Os chamados “corretores de atas” são vendedores que oferecem propina a gestores públicos, em troca de adesões às chamadas atas de registro de preços. . Foi também através da adesão a uma ata de registro de preços de Sergipe que a prefeitura de Porto Alegre adquiriu material didático para escolas municipais. Em junho do ano passado, o GDI deparou com 74 mil destruídos pela enchente.
Reprodução/RBSTV
Entre 2019 e 2022, 51 cidades gaúchas gastaram R$ 150 milhões na compra de telas interativas, equipamentos usados para substituir as tradicionais lousas nas escolas, conforme o Tribunal de Contas do estado do Rio Grande do Sul.
O que parecia ser uma tentativa de modernizar a educação revelou-se um esquema que envolveu superfaturamento, propinas e a manipulação de um sistema legítimo de compras públicas: as atas de registro de preços. O esquema foi revelado pelo Fantástico, pelo Grupo de Investigação da RBS (GDI).
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Essa prática, que deveria ser uma ferramenta para agilizar aquisições e reduzir custos, foi corrompida por intermediários conhecidos como “corretores de atas”. Esses indivíduos ajudavam empresas a direcionar compras públicas por meio da adesão a contratos já estabelecidos, em troca de comissões que podiam chegar a 30% do valor da negociação.
Essas atas resultam de uma modalidade de licitação chamada de ‘registro de preços’, que fica aberta por um ano e que permite a adesão de qualquer outro órgão. Assim, por exemplo, uma prefeitura gaúcha pode “pegar carona” na licitação de uma prefeitura paulista para adquirir o mesmo bem ou serviço.
“Não há nem justificativa para se buscar intermediários nesse processo, além da própria ilicitude que é o aspecto mais grave. Então nós precisamos dar visibilidade a isso, e os órgãos de controle apurar e responsabilizar, se for o caso”, alerta o ouvidor do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul, Cézar Miola.
Os envolvidos
Um dos corretores de atas identificados pela reportagem é Jaqueson Espíndola, do “Portal de Ata Pública”. Ele diz intermediar a adesão de mais de 20 mil atas.
Jaqueson seria responsável por receber comissões de empresas que venceram licitações por registro de preços em todo o Brasil e dividindo esses percentuais com gestores públicos, em troca da adesão. O “repasse” chegaria a 30% e o dinheiro pode ser “lavado” através de uma nota fiscal qualquer.
“Às vezes um gestor tem algum terceiro que tem uma empresa que consegue emitir uma notinha fiscal, um boleto seria mais seguro” disse, sem saber que estava sendo gravado.
Além de intermediar a adesão a atas, Jaqueson também seria o responsável por ajudar a direcionar licitações no formato de registro de preços, para gerar uma ata. Para isso, o homem garante conseguir empresas que oferecem orçamentos com valores maiores, para garantir a chamada pesquisa de “vantajosidade”, uma obrigação legal.
“Outras atas com o mesmo produto, de valor maior pra comprovar é possível, né? A gente fazer dessa maneira, sugere vantajosidade”, diz.
Para completar o direcionamento, o corretor de atas propõe incluir na licitação exigências que somente determinada empresa consegue atender. E cita como exemplo um certame para aquisição de telas interativas para escolas.
“A nossa tela interativa, só ela tem selo da Anatel no Brasil. Daí eu boto ‘tela interativa com o selo da Anatel’, eu já elimino a concorrência”, explica.
Em nota, Jaqueson afirma que “as alegações apresentadas carecem de fundamento, tratando-se de meras especulações e induzimento”. Confira nota completa abaixo. Já o ‘Portal de Ata Pública’ não retornou as tentativas de contato da reportagem.
A investigação
A tela citada é da empresa Smart, cujas vendas estão em investigação em diversas cidades, como São Leopoldo, onde intermediários entre o fabricante e um ex-diretor da prefeitura estão entre os investigados. As compras teriam sido feitas sem licitação direta, com os gestores públicos optando por contratos já firmados, mas com preços inflacionados, devido à intermediação de corretores.
“Houve, sim, um servidor que foi a porta de entrada para que essas pessoas que articulam em prol da empresa, né? Para que conseguissem fazer esse contato com ente público. Há uma comissão paga pela empresa para o articulador”, diz Wilson Klippel Cicognani Filho, delegado da Polícia Federal.
Em nota, a SMART afirma que “A empresa SMART TECNOLOGIA EM COMUNICAÇÕES LTDA e seus integrantes sempre atuaram de forma transparente em todas as licitações das quais participou”. Veja nota completa abaixo.
A atual gestão da prefeitura abriu sindicância para apurar o caso. Foi também através da adesão a uma ata de registro de preços de Sergipe que a prefeitura de Porto Alegre adquiriu material didático para escolas municipais.
Em junho do ano passado, o GDI deparou com 74 mil destruídos pela enchente. Veja na imagem acima. A reportagem acompanhou uma inspeção da então vereadora Mari Pimentel (Republicados), que presidiu uma das CPIs que apuraram o caso.
“Se realmente esse livros eram necessários, eles teriam sido distribuídos, e aqui é um mar de livros que não foram distribuídos, mostrando que não faziam parte do projeto pedagógico da rede municipal de Porto Alegre”, conclui a ex-vereadora, eleita suplente.
Em relação aos livros, a Secretaria Municipal de Educação afirma que “diante da identificação da falha na distribuição dos livros, uma força-tarefa foi determinada pelo prefeito Sebastião Melo para a correta destinação dos materiais. Desde então, 100 mil exemplares foram encaminhados às escolas”. Confira nota completa abaixo.
“Foi praticamente forjada uma simulação de preços, uma apresentação de orçamentos em que as empresas que cotavam os preços ali eram sempre as mesmas que foram identificadas também em outros locais. No caso dos livros, essa vantajosidade foi demonstrada, mas os orçamentos eram combinados”, explica o delegado Max Otto Ritter.
Além disso, o Tribunal de Contas do Estado alerta que a adesão indiscriminada a essas atas pode levar à aquisição de produtos de qualidade inferior e prejudicar a gestão pública.
Envolvimento de políticos
Em Porto Alegre, a então secretária de Educação, Sônia da Rosa, foi acusada de ter recebido R$ 300 mil em propinas para garantir a adesão do município a essas atas fraudulentas. Procurada pela reportagem, a defesa afirma que só vai se manifestar nos autos.
Nos últimos 12 meses, três operações foram deflagradas para investigar o esquema de fraudes em atas de registro de preços. Uma delas envolveu a prisão de empresários e mandados de busca e apreensão contra políticos, incluindo o vereador de Porto Alegre Pablo Melo, filho do prefeito Sebastião Melo, que teria sido fotografado em reuniões com empresários investigados.
Em nota ao g1, a defesa de Pablo Melo diz que “A reportagem resgata uma reunião ordinária ocorrida há 4 anos e que não envolveu nenhuma ilegalidade.Não por menos, Pablo Melo jamais foi apontado como autor de algum ilícito”. Confira nota completa abaixo.
“Foi praticamente forjada uma simulação de preços, uma apresentação de orçamentos em que as empresas que cotavam os preços ali eram sempre as mesmas que foram identificadas também em outros locais. No caso dos livros, essa vantajosidade foi demonstrada, mas os orçamentos eram combinados”, explica o delegado Max Otto Ritter.
Nota oficial Jaqueson Espindola
“Declaro, para os devidos fins, que os fatos narrados devem ser rigorosamente apurados e esclarecidos, uma vez que, em nenhum momento, autorizei ou consenti com o que foi exposto. Ressalto que as alegações apresentadas carecem de fundamento, tratando-se de meras especulações e induzimento. Além disso, deixo claro que minhas ações foram praticadas de forma estritamente individual, sem qualquer interferência, participação ou vínculo com a empresa para a qual presto serviços, sendo estas condutas exclusivamente de minha responsabilidade.
Atenciosamente,
Jaqueson Espindola”
Nota oficial Pablo Melo

“A reportagem resgata uma reunião ordinária ocorrida há 4 anos e que não envolveu nenhuma ilegalidade. Não por menos, Pablo Melo jamais foi apontado como autor de algum ilícito. Desde o início da investigação, que já dura mais de ano, Pablo nunca foi ouvido no inquérito conduzido pela Polícia Civil, apesar de ter se colocado sempre à disposição das autoridades. Por isso, a defesa espera uma conclusão célere e esclarecedora para essa investigação, já que a suspeição infundada sobre o Vereador Pablo Melo tem causado prejuízos irreparáveis a sua imagem, devido à frequente exposição midiática do caso, inclusive com o vazamento de informações sigilosas da investigação, algumas inacessíveis à defesa. Apesar desses constrangimentos, Pablo Melo reafirma sua disposição para prestar esclarecimentos às autoridades e contribuir com a elucidação dos fatos investigados. Vale também destacar que a medida cautelar requerida pela Polícia, de afastamento de função pública do Vereador, foi rapidamente derrubada pela Justiça ainda na última Legislatura, o que infelizmente não teve repercussão nos veículos que cobrem a investigação. Pablo Melo possui 23 anos de trajetória política limpa, com retidão e sem qualquer mácula. Por isso, a defesa acredita que sua inocência será demonstrada à Justiça e aos porto-alegrenses”.
Nota oficial SMED

“A Prefeitura de Porto Alegre deu início às apurações sobre irregularidades na Secretaria Municipal de Educação (Smed), em junho de 2023, por determinação do prefeito Sebastião Melo, e dividiu todas as informações com os órgãos de controle e segurança. O prefeito tomou todas as medidas necessárias para corrigir o que precisava ser corrigido e colaborou permanentemente com as investigações. Tudo o que precisava ser posicionado foi feito no momento oportuno à sociedade, à imprensa e às instituições. A gestão repudia qualquer uso indevido de dinheiro público e segue atuando em plena colaboração com as investigações.
LIVROS
A Secretaria Municipal de Educação informa que, diante da identificação da falha na distribuição dos livros, uma força-tarefa foi determinada pelo prefeito Sebastião Melo para a correta destinação dos materiais. Desde então, 100 mil exemplares foram encaminhados às escolas, além dos 190 mil entregues quando da compra. Os demais livros, armazenados no Centro de Distribuição no momento da catástrofe que atingiu severamente o Rio Grande do Sul e impactou centenas de equipamentos públicos e privados na Capital, seriam entregues no segundo semestre de 2024. A destinação seguia um cronograma, em acordo com o currículo pedagógico, que contemplava formação específica para os professores.
Prefeitura Municipal de Porto Alegre
Nota oficial SMART
Manifestação empresa SMART TECNOLOGIA EM COMUNICAÇÕES
Os procedimentos investigatórios relacionados a aquisiçao de telas perante ao Poder Executivo de São Leopoldo/RS tramitam em segredo de justiça, de modo que tanto as partes quanto os procuradores limitam-se a falar nos autos. Não há denúncia oferecida ou qualquer conclusão das investigações, de maneira que os fatos descritos no relatório de investigação não condiz com a verdade. A empresa SMART TECNOLOGIA EM COMUNICAÇÕES LTDA e seus integrantes sempre atuaram de forma transparente em todas as licitações das quais participou. A empresa está consolidada nesse ramo há muito tempo, tendo angariado credibilidade junto aos órgãos públicos através do desempenho das melhores práticas e do cumprimento com rigor e ascetismo de todas as legislações, entregando produtos e serviços de extrema qualidade fomentando a melhoria e desenvolvimento tecnológico da educação pública no páis.
Em relação ao processo licitatório de Salvador/BA, destaca-se que 10 (dez) empresas disputaram o certame, sendo que a empresa ficou em 4º colocado e apresentou toda documentação exigida. A desclassificação das empresas colocadas de 1º ao 3º lugar, ocorreram no momento da avaliação dos documentos de habilitação exigidos no edital e uma das empresas ofertou equipamento que não atendeu às especificações do Termo de Referência. Ainda, não há nenhum apontamento pelos órgãos de controle e ou autoridades judiciais questionando a lisura do certame, sendo que a referida Ata de Registro de Preço devidamente licitada já encontra-se vencida (desde 03/01/2025) não tendo a Secretaria Municipal de Educação do Município de Salvador/BA realidado qualquer aquisição. Outrossim, informa que a empresa concorrente que aponta eventual fraude participou do certame e ficou em 7º lugar em razão de ofertar um valor superior para o mesmo produto. Cumpre esclarecer que a empresa Sollos é detentora do site www.portaldeatapublica.com.br e oferta/representa pluralidade de produtos das mais variadas linhas de fornecimento para todo o país, sendo que NÃO possui qualquer autorização vigente para ofertar os produtos da empresa SMART TECNOLOGIA.
A empresa Smart Tecnologia reafirma seu forte compromisso com a ética, integridade e transparência, permanecemos à disposição das autoridades policiais e judiciárias para a elucidação escorreita dos fatos, que é do interesse de todos.
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