VR Brasil: Justiça bloqueia R$ 500 mil em 96 contas de empresa de SC acusada de golpe

O caso da empresa VR Brasil, localizada em São José, suspeita de encabeçar um esquema milionário de venda de cotas imobiliárias, está sob investigação da Delegacia de Defraudações da Deic (Diretoria Estadual de Investigações Criminais). O caso foi revelado em detalhes pelo ND Mais.

Despacho do MPSC no caso VR Brasil

Promotor afirma que todos que atuavam na VR Brasil sabiam da situação financeira da empresa – Foto: Divulgação/ND

Na última semana de fevereiro, foi realizada a quebra do sigilo bancário de todos os investigados no caso. Mais de 3 mil pessoas foram lesadas no esquema e não receberam o dinheiro que investiram até hoje.

Com isso, segundo a Polícia Civil, a Justiça decretou:

  • Bloqueio de R$ 500 mil em 96 contas diferentes;
  • Indisponibilidade de nove imóveis, sendo oito em área urbana e um em área rural;
  • Bloqueio de 54 veículos, a maioria de luxo, e seis embarcações, entre iates e motos aquáticas.

“Se as medidas fossem autorizadas oito messes atrás, o valor seria de cinco a oito vezes maior, chegando na casa dos R$ 2 bilhões. Com a demora, os advogados dos investigados tomaram conhecimento das medidas e se desfizeram de boa parte do patrimônio que tinham”, lamenta o delegado Leonardo Silva, da Deic.

A investigação do caso vai analisar todos os dados bancários. A expectativa é que o trabalho dure de um ano a um ano e meio. A polícia quer comprovar que os investigados se desfizeram de bens, ou até mesmo passaram para o nome de outras pessoas, para evitar os bloqueios. Assim, será possível reaver o máximo dos valores para pagar os lesados, já que o prejuízo das vítimas chega a R$ 1 bilhão.

Empresas envolvidas no caso VR Brasil

Emaranhado de empresas envolvidas no caso VR Brasil – Foto: Divulgação/ND

A investigação sobre o caso da VR Brasil começou em junho de 2024, um mês após a morte de Márcio Ramos, proprietário e fundador da empresa, que sofreu um acidente de moto no bairro Capoeiras, no dia 16 de maio de 2024. Na época, o delegado Leonardo Silva já sabia que se tratava de um golpe financeiro e, ciente disso, solicitou medidas cautelares como bloqueio de bens e contas, além da quebra de sigilo bancário de envolvidos no esquema.

Porém, nem a Justiça Federal nem a estadual se consideravam responsáveis pelo processo. A discussão, então, foi para o STJ (Superior Tribunal de Justiça), e só no fim de 2024 ficou decidido que a competência seria da Justiça Estadual. Durante todo esse período, a investigação não avançou. Somente na semana passada, oito meses após o início dos trabalhos, foi autorizado pela Justiça o cumprimento das primeiras medidas.

Márcio Ramos, dono da VR Brasil, ao lado da esposa Monique

Viúva de Márcio Ramos assumiu a gestão dos negócios – Foto: Divulgação/ND

Depois do mentor do negócio falecer, Monique Baumgartner, esposa de Márcio, assumiu a gestão dos negócios. Porém, ela e todos os gerentes e gestores da VR Brasil culparam o fundador da empresa por uma má administração. Hoje, essas pessoas são alvo da investigação e respondem pelos crimes de estelionato, na modalidade de pirâmide financeira, que pode evoluir para crime contra a economia popular, associação criminosa, que pode evoluir para organização criminosa, e lavagem de dinheiro.

“Temos 12 pessoas físicas, entre ex-gerentes da VR e ex-sócios de Márcio Ramos, além de 16 empresas que são investigadas dentro desse inquérito criminal”, esclarece o delegado Leonardo Silva. “Os crimes foram praticados contra cerca de 3.000 pessoas. Esse golpe fez vítimas em Santa Catarina, em outros Estados e até no exterior”, finaliza.

Vítimas da VR Brasil se unem em associação

Além do processo criminal, existem inúmeros processos das vítimas da empresa na esfera civil, cobrando o ressarcimento dos valores investidos. Parte delas montaram a Associação dos Cotistas Lesados pela VR Brasil, uma forma de dividir as custas do processo. Arthur Alves Silva é o vice-presidente e também uma vítima do golpe.

Sede da VR Brasil em São José, Santa Catarina

Mais de 3 mil pessoas foram lesadas no esquema e não receberam o dinheiro que investiram até hoje – Foto: Divulgação/ND

“A ideia nasceu logo no início do problema, com o objetivo de unir todos para buscar uma solução. Eu investi R$ 140 mil, era o dinheiro que tinha guardado para o meu casamento. A promessa era render em torno de R$ 20 mil em um ano. A gerente da VR que me ofereceu o negócio era uma amiga e estava na lista dos convidados para a festa”, relata Silva, que perdeu todo o dinheiro e ganhou uma inimiga. “Hoje ela manda mensagens me ameaçando”, conta.

Ruth Nunes de Ávila é de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e entrou no negócio por conta do filho, que também investiu.

“Ele me disse que seria minha aposentadoria, eu vendi minha casa e investi R$ 550 mil. Recebi por alguns meses R$ 20 mil, que diziam ser o lucro, mas depois da morte do Márcio, os pagamentos pararam e não consegui sacar o que tinha investido”, explica a aposentada que hoje teve que voltar a trabalhar.

“Moro de favor no hotel do meu irmão e trabalho de camareira, nunca pensei passar por isso aos 71 anos”, conta, aos prantos.

Aposentada foi vítima de golpe pela VR Brasil

A aposentada Ruth Nunes de Ávila teve que voltar a trabalhar após vender a casa e investir R$ 550 mil no negócio – Foto: Divulgação/ND

Para quem tinha um pouco de conhecimento do mercado financeiro, as propostas eram mais conservadoras. Existem empresários que investiram milhões de reais na VR Brasil, mas que hoje não têm urgência de receber esse valor. Em contrapartida, boa parte das vítimas investiu o pouco que tinha e precisa do dinheiro para viver.

Uma moradora de Palhoça, Rosana Lopes Simas, também foi convencida pelo filho a investir. A mãe dela teve Alzheimer, passou por um AVC (Acidente Vascular Cerebral), e está internada e um lar de idosos. Dada a situação, Rosana resolveu investir R$ 40 mil que tinha guardado para que os lucros ajudassem nos custos de sua mãe.

“Realmente eu comecei a receber o dinheiro, eram R$ 500 por mês, foi assim por cerca de cinco meses. Até que em maio meu filho solicitou e o dinheiro não veio mais. Eu pensei: não me diz que caímos em um golpe”, lembra Rosana.

O valor de R$ 41.765,46 é só um número na conta da vítima, que não tem acesso ao dinheiro – Foto: Divulgação/ND

Cotas de coisa nenhuma e banco ilegal

Nos contratos que os gerentes da VR Brasil assinavam com as vítimas, as cotas que estavam sendo adquiridas eram citadas, porém, nenhum imóvel aparece no documento, ou seja, as vítimas estavam comprando “cotas de coisa nenhuma”. Além disso, tudo era feito sem autorização da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), órgão regulador desse tipo de negócio.

Níkolas Bottós, advogado da associação que representa parte dos lesados, afirma: “o que eles vendiam é um fundo imobiliário, só que sem a menor regulamentação”. Os fundos imobiliários são investimentos que devem ser realizados na Bolsa de Valores. O advogado de defesa da VR Brasil, Ângelo Santos Coelho, nega: “quando se fala em agente, parece que é da Bolsa de Valores, mas na verdade são corretores de imóveis”, salienta.

Segundo o Creci (Conselho Regional de Corretores de Imóveis de Santa Catarina), não é bem assim.

“A cota imobiliária nada mais é do que uma ação. O que estava sendo vendido era uma ação imobiliária de um produto que gerava rendimentos mensais, e não um imóvel que seria entregue futuramente. Uma cota de um imóvel que vai ser construído e entregue futuramente vai dar lucros na hora da venda, ou do aluguel. A gente exige que o corretor anuncie e venda explicando dessa forma”, deixa claro Rafael Siqueira, tesoureiro do conselho.

Banco criado por Márcio Ramos

Márcio Ramos criou até mesmo um banco, com outros dois sócios: o LCM Bank, que oferecia cartões, Pix e era utilizado para fazer os pagamentos dos supostos lucros para os cotistas. Os gerentes usavam o argumento de que “a empresa é tão forte que tem seu próprio banco”. Tudo isso sem autorização do Banco Central. O advogado da VR Brasil alega que se tratava de uma ​fintech; e que, por isso, não era um banco de verdade.

O LMC Bank seria o braço financeiro da operação de Márcio Ramos, proprietário da VR Brasil Patrimonial – Foto: Reprodução/LMC Bank

Em um despacho do promotor de Justiça Wilson Paulo Mendonça Neto, do Ministério Público de Santa Catarina, fica claro: “A Real M Construtora e Incorporadora LTDA, que atua sob o nome fantasia de LMC Bank Solutions, como o braço financeiro da operação, se porta como um verdadeiro banco, mesmo sem autorização legal para tal.”

“Dá pra pagar todos e sobra”

A defesa da VR Brasil aposta na recuperação judicial para resolver a situação, mas o juiz Luiz Henrique Bonatelli negou o pedido. Agora, eles recorrem ao TJSC e aguardam uma nova decisão. Quando perguntado se a empresa tem patrimônio para pagar os cotistas lesados, o advogado da VR foi enfático: “dá pra pagar todos e sobra.”

O patrimônio em questão são duas grandes propriedades. Uma é o Bombas Resort, adquirido um dia antes da morte de Márcio Ramos, que está em fase inicial de construção e com as obras paradas. A outra é um hotel chamado Termas do Tabuleiro, que está sendo construído junto a um condomínio de casas na Grande Florianópolis, porém, segundo a empresa que firmou o contrato de promessa de compra com a VR Brasil, ele foi rescindido.

Empresa que firmou o contrato de promessa de compra diz que a VR Brasil não tem propriedade sobre o hotel Termas do Tabuleiro – Foto: Divulgação/ND

“A VR não tem propriedade nenhuma sobre o Termas do Tabuleiro, o que houve é que a VR fez uma proposta, a empresa Baden Baden aceitou, porém, Márcio Ramos não fez os pagamentos acordados, sendo assim, a VR foi notificada pela Baden Baden que então rescindiu o contrato. Ou seja, o empreendimento segue na propriedade da Baden Baden”, esclarece o advogado Daniel Teske Corrêa.

Para o delegado que investiga o caso não resta dúvida dos crimes praticados. “Foi criada uma verdadeira organização criminosa bem estruturada. Os investigados principais montaram uma série de empresas, todas têm vínculo entre elas. Tinha imóvel que inclusive estava até embargado ali na região de Bombinhas”, informa Leonardo Silva.

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