Folha de coca é usada em ritual nos Andes peruanos para reverenciar a Mãe-Terra


Planta compõe tradição e mantém viva a cultura dos antepassados da região Folha de coca é usada em tradições milenares
Emily Hjalmarson/iNaturalist
No Peru, o cultivo de coca por povos tradicionais é milenar. E antes de qualquer dúvida, é bom esclarecer. Na forma de folha in natura, estudos apontam que a Erythroxylum coca apresente uma concentração máxima de, no máximo, 2% de cocaína, alcalóide composto presente em vários outros vegetais. A cafeína é um outro exemplo desse composto estimulante.
O plantio de coca no Peru remonta há quatro mil e quinhentos anos de acordo com dados históricos. Dentre todos os povos nativos, os incas foram os mais conhecidos devido à civilização avançada que desenvolveram bem antes da chegada dos invasores espanhóis em 1532.
Equipe do TG encontrou folhas de coca no meio de uma trilha, no Peru
Giuliano Tamura
Cusco foi, por séculos, a capital do Império Inca e se espalhava por onde hoje são Peru, Bolívia, Equador e partes do Chile e da Argentina. Os incas dominavam conhecimentos avançados de astronomia, arquitetura, engenharia, matemática e produção agrícola.
🍃 A utilização de folhas de coca pelos povos andinos segue até hoje. Elas são mascadas na forma natural. As sustâncias químicas liberadas diminuem a fome e a fadiga. Para compreender o uso nas montanhas, é preciso levar em conta que a altitude passa de três, quatro mil metros, em comparação ao nível do mar em boa parte do país.
Trilhas em altitude, no Peru
Giuliano Tamura
O simples fato de caminhar nessas altitudes, onde o ar é rarefeito gera mais cansaço no organismo. Ingerir o suco das folhas ameniza esse mal-estar. Nas comunidades que ficam na região de Cusco, é possível comprar pacotes de folhas de coca frescas por preço popular. E fazer uso delas nas montanhas faz diferença ao andar longos trechos.
Ritual na altitude
A equipe do Terra da Gente participou de uma aventura na Cordilheira dos Andes. O desafio era enfrentar setenta quilômetros até chegar à Machu Picchu, cidade histórica que fica no vale do rio Urubamba. Um caminho de longas subidas e descidas cumpridas com paradas de descanso e pouso.
Uma das cenas mais interessantes que a equipe observou foram estruturas em pedras sobrepostas, distribuídas em vários pontos ao lado do cume. Esses “santuários” têm o nome de apaicheta. O guia de trilha Alex Mamani explica que essa é uma tradição ligada às raízes incas.
Torre de pedras são “santuários” que têm o nome de apaicheta.
Giuliano Tamura
“As pedras que estão aqui são como uma oferenda. Antigamente tinha gente que vinha aos pontos mais altos, lugares sagrados, eles traziam as pedras de muito, muito longe. Trouxeram lá de baixo, levavam sobre as costas. Quando chegavam aqui deixavam as pedras como um agradecimento até o ponto em que alcançavam na caminhada”, explica Mamani.
Os povos andinos atuais revelam que os antigos incas tinham no vocabulário um nome específico para o planeta. Eles o chamavam de Pachamama, ou Mãe-Terra numa tradução para o português. A Pachamama ainda é muito reverenciada pelos peruanos que mantém viva essa cultura passada por gerações.
Nos santuários de pedra sobrepostas são feitos rituais de agradecimento. Como na cultura inca, a coca é considerada um produto essencial. Eles utilizam as folhas para fazer uma reverência no alto da cordilheira. As folhas são colocadas ao lado uma das outras. Elas ficam juntas apenas pela parte debaixo, onde fica o pecíolo, “cabinho” da estrutura.
Folha de coca é planta que compõe tradição e mantém viva a cultura dos antepassados da região do Peru
Anders Hastings/iNaturalist
“Você tem que deixar a folha de coca, sempre três folhas de coca que representam a Pachamama, a Mãe-Terra. Você tem que soprar os pontos cardeais e também os pontos mais altos do relevo que ficam aqui. Depois tem que deixar aqui. Quando você deixa tem que por uma pedra sobre as folhas de coca. É um agradecimento que você está deixando que vai ficar aí por dois anos, três anos, todo o tempo que quiser. As pessoas que fazem isso, ainda creem que as montanhas, que a terra toda, a natureza tem vida, tem energia”, comenta Mamani. Nossa equipe, neste momento único na Cordilheira dos Andes, também fez esta reverência, na esperança que a Pachamama seja mais respeitada por todos que habitam o planeta.
Apesar da folha de coca não ser considerada uma droga, é proibido trazê-la para o Brasil, sob pena de responder criminalmente pelo transporte.
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