Jovem com fibromialgia compartilha luta contra dores constantes: ‘Parece que um trator passou por cima de mim’


Em fevereiro, mês de conscientização sobre a doença, Emanuelle Fernandes Souza Ramos, de 23 anos, conta como é conviver com a dor ‘invisível’. Emanuelle Fernandes Souza Ramos, de São Simão, SP, se divide entre dores e tratamentos, mas com esperança de ter uma cura definitiva para a fibromialgia
Foto: Arquivo Pessoal
Emanuelle Fernandes Souza Ramos, jornalista de 23 anos e atualmente analista de marketing, é natural de São Simão (SP) e enfrenta a fibromialgia desde a adolescência. Ela descreve que, por conta dessa condição, sente dores constantes, principalmente no pescoço e nas costas.
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A jovem compartilha que convive com as dores desde a infância, mas foi oficialmente diagnosticada com a doença apenas aos 18 anos.
Fevereiro é o mês de conscientização sobre a fibromialgia, que é uma síndrome reumática dolorosa que impacta a vida de forma intensa e, por vezes, limitada (veja mais abaixo nesta matéria perguntas e respostas sobre a doença).
“De manhã é muito pior para mim, principalmente quando está frio. Parece que um trator passou por cima de mim”, descreve a jovem.
Impacto físico e emocional da doença
Além das dores físicas, Emanuelle enfrenta episódios de perda de memória, o chamado “fibrofog”, que a faz esquecer coisas que está fazendo ou falando. “É como uma névoa mental”, explica. Esses lapsos de memória são um sintoma comum da doença, relacionados à disfunção do sistema nervoso central.
Ela faz uso de medicamentos como antidepressivos e realiza sessões de pilates e laser, práticas que ajudam no controle das dores. No entanto, a fibromialgia exige paciência, pois as condições variam de dia para dia. “Eu faço exercício, mas não consigo fazer muita coisa porque sinto dor. Tem dias que fico sem conseguir trabalhar”, relata.
A falta de compreensão sobre a doença nas empresas e pela sociedade é uma das maiores dificuldades que enfrenta.
Emanuelle Fernandes Souza Ramos, de São Simão, SP, passou por período de depressão depois de ser diagnosticada com fibromialgia
Foto: Arquivo Pessoal
Luta diária com dores constantes
“Desde sempre, eu senti dor. Mas, em 2018, durante o terceiro colegial, a dor piorou. Eu não conseguia sair da cama, meu pescoço, minhas costas, tudo travava. Eu achava que era normal, mas comecei a perceber que não era”, conta Emanuelle, que iniciou sua busca pelo diagnóstico aos 17 anos.
Com a pressão do vestibular e a rotina escolar, a dor se tornou uma constante. Por muito tempo, tentou acreditar que sua dor era psicológica.
“Eu fui a psicólogos, tentei de tudo. Os médicos me mandavam procurar um psicólogo. Era difícil aceitar que o que eu sentia era real, eu queria que fosse só psicológico, mas não era.”
Até que, após torcer o tornozelo, Emanuelle foi ao ortopedista, que sugeriu que ela procurasse um reumatologista.
“Eu não sabia o que era fibromialgia na época. Quando ele me falou, achei que ele estava me mandando para mais um psicólogo. Mas minha mãe começou a cogitar que poderia ser algo reumatológico e buscamos o diagnóstico com mais seriedade.”
Em 2020, após quase dois anos de buscas e incertezas, recebeu o diagnóstico de fibromialgia, confirmado pelo reumatologista Dr. Flávio Petean.
“Quando ele me explicou sobre a doença, tudo fez sentido. Eu finalmente soube o que estava acontecendo com meu corpo.”
Depressão e Tratamento
Embora a fibromialgia não tenha cura, Emanuelle encontrou tratamentos que ajudam a controlar os sintomas. Ela faz Pilates regularmente, mas com limitações.
“Tenho que fazer os exercícios de forma bem devagar, porque o corpo não responde da mesma maneira. Algumas coisas, como a musculação, são difíceis, mas o Pilates tem ajudado muito.”
No entanto, a luta não se limita apenas à fibromialgia. “Então, eu comecei a entrar em depressão profunda, fiz tratamento. Aí eu desenvolvi síndrome do pânico nesse meio tempo e eu não aceitava isso. Só foi piorando minha situação, sabe? Eu só fui indo por água abaixo.”
Apesar de enfrentar esses desafios emocionais e psicológicos, Emanuelle encontrou apoio de sua família.
“Eu tinha bastante apoio nessa parte, depois que eu tive o diagnóstico, a minha família me apoiou muito. E até a pandemia, acho que ainda estava bem depressiva. Acho que estava melhorando, aí veio a pandemia e piorou tudo. E até eu entender todo esse processo foi bem difícil.”
Esse processo foi acompanhado por uma mudança significativa em seus hábitos e saúde. “Comecei a comer compulsivamente, minha saúde piorou muito e eu engordei 30 kg. Até hoje, tenho dificuldade para perder. Então, foi um processo bem difícil e bem doloroso, né?”
Ela também usa antidepressivos, como o Elifore, para ajudar no controle da dor. “Sem ele, sinto as dores intensificadas. Também faço laser terapêutico, o Ilib, que tem ajudado a reduzir a inflamação do meu corpo.”
Apesar dos esforços, ainda enfrenta desafios na vida profissional. “Hoje, trabalho em tempo integral, mas tem dias que não consigo ir. O que me incomoda é que as pessoas não entendem. Elas veem que você está bem em um dia e não entendem como pode ter uma dor tão intensa no outro.”
O que é a fibromialgia
Para entender melhor a doença, o g1 conversou com Flávio Calil Petean, de 64 anos, professor assistente de reumatologia da Faculdade de Medicina da USP Ribeirão Preto (SP).
Ele explica que a fibromialgia é uma síndrome reumática que afeta o sistema nervoso, resultando em dor crônica, cansaço e outros sintomas como formigamento nas mãos e dores de cabeça.
“A fibromialgia é causada por uma alteração química no cérebro, mais precisamente no tálamo, onde ocorre a interpretação da dor”, esclarece.
O diagnóstico é clínico, baseado na identificação de pontos dolorosos característicos da doença. “Esses pontos são a verdadeira ‘identidade’ da fibromialgia”, afirma. Embora mais comum em mulheres entre 30 e 60 anos, os casos entre homens têm aumentado.
Embora não haja cura definitiva, o tratamento pode proporcionar uma boa qualidade de vida. O professor explica que é possível controlar a dor e a fadiga com medicamentos, atividade física e mudanças nos hábitos diários. “Exercícios físicos ajudam a reduzir a dor e o cansaço, mas é necessário começar de forma gradual.”
Ele ressalta que a fibromialgia não está relacionada a alterações visíveis nos exames, pois é uma doença funcional, afetando o sistema nervoso, e não os tecidos.
Dr. Flávio Calil Petean, de Ribeirão Preto, SP foi um dos médicos reumatologistas que diagnosticou a fibromialgia na jovem de 23 anos
Foto: Arquivo Pessoal
Apoio e empatia
Emanuelle destaca a importância de uma rede de apoio.
“Minha mãe me entende, porque também tem fibromialgia e meus amigos desde o começo compreenderam, os professores, os coordenadores compreenderam muito. A Unaerp foi muito boa para mim nessa parte.”
Ela também menciona a Lei 14.624, que dá prioridade para pessoas com deficiência oculta, como o cordão de girassol.
“Fui a São Paulo e levei o cordão, mas nem para os idosos deram prioridade. Ainda falta muito para as pessoas entenderem a fibromialgia.”
Apesar das dificuldades, Emanuelle segue com otimismo.
“Eu sei que tenho meus dias difíceis, mas tento viver o melhor possível. Se me cuidar e me adaptar, posso ter qualidade de vida.”
Emanuelle Fernandes Souza Ramos, de São Simão, SP, fala sobre a Lei 14.624 e o uso do cordão de girassol para identificar deficiências ocultas
Foto: Arquivo Pessoal
Perguntas e respostas
Veja abaixo explicações do professor sobre a fibromialgia:
O que causa a fibromialgia?
Quais são os sintomas?
Afeta qualquer faixa etária?
Como é feito o diagnóstico?
Como é o tratamento?
Quais sinais de atenção?
Qual o período do dia que causa mais dor?
O que as pesquisas mais recentes dizem sobre a doença?
A doença tem cura?
O que causa a fibromialgia?
A fibromialgia é uma condição que afeta o sistema nervoso, resultando em uma percepção distorcida da dor. Essa síndrome dolorosa é causada por um desequilíbrio químico nos nervos, especificamente no tálamo, uma região do cérebro responsável pela interpretação sensorial.
Quando há um “curto-circuito” nesse processo, o cérebro acaba interpretando sinais de dor de forma errada, fazendo com que o paciente sinta dor de maneira excessiva e em locais inesperados. O Dr. Flávio Calil Petean explica que “há uma alteração química nas regiões do cérebro onde ocorre a interpretação da dor”, o que leva a essa reação exagerada e desconfortável.
Quais são os sintomas?
Os sintomas da fibromialgia podem ser variados, mas são amplamente dominados por dores intensas e uma sensação constante de cansaço. Além disso, a condição pode se manifestar de várias outras formas, como formigamento nas mãos, dores de cabeça, problemas abdominais e até uma sensação de inchaço, mesmo sem haver uma inflamação real.
Como o Dr. Flávio menciona, a doença “leva muitas dores e muito cansaço” e pode causar uma série de outros sintomas que muitas vezes confundem os pacientes, já que esses sinais podem ser semelhantes a outras condições.
Afeta qualquer faixa etária?
Embora a fibromialgia seja mais comum em mulheres, o número de homens diagnosticados está aumentando. A condição não é exclusiva de nenhum gênero, embora as mulheres sejam mais frequentemente afetadas. Além disso, a fibromialgia pode ocorrer em várias faixas etárias, mas é mais comum em adultos de meia-idade.
Dr. Petean também destaca uma tendência hereditária associada à doença, observando que, em 1990, ele encontrou que “mais de 80% dos pacientes tinham ou os pais ou irmãos ou filhos com doenças assim: depressão, ansiedade, pânico, enxaqueca”, indicando que há uma relação genética com problemas relacionados à serotonina.
Além disso, a descoberta em 2005 de um gene deficiente reforçou essa ideia de que existe um componente genético na predisposição à fibromialgia.
Como é feito o diagnóstico?
O diagnóstico da fibromialgia é clínico, ou seja, não depende de exames laboratoriais específicos para detectar a doença. O Dr. Flávio explicou que “o diagnóstico tem que ser uma boa conversa”, com um exame detalhado do paciente.
Durante a consulta, são identificados os chamados “pontos dolorosos”, que são essenciais para o diagnóstico: “esses pontos eles estão presentes em 100% dos pacientes”. Além disso, ele mencionou que, antigamente, a presença de artrite junto à fibromialgia poderia interferir no diagnóstico, mas hoje se sabe que é possível ter fibromialgia associada a outras doenças reumáticas.
Como é o tratamento?
O Dr. Flávio enfatizou que a prática de exercícios físicos é fundamental, começando de forma gradual, com baixa carga e aumentando conforme o condicionamento físico do paciente melhora. Ele explicou: “esses pacientes têm um baixíssimo condicionamento físico” e, por isso, é importante o início gradual.
O tratamento não se resume a medicamentos, mas deve envolver “orientações, exercícios físicos e regularidade”. Ele também afirmou que mudanças nos hábitos são “obrigatórias” para o sucesso do tratamento.
Quais sinais de atenção?
Os sinais mais comuns da fibromialgia incluem acordar com dores intensas e cansaço excessivo, como se a pessoa tivesse “trabalhado a noite inteira”. O Dr. Flávio mencionou que a dor pode piorar com “frio, esforço físico, e estresse”.
Por isso, ele acredita que durante anos a fibromialgia foi tratada como uma doença emocional, “mas a parte emocional é uma cereja do bolo, não é a causa da doença e sim o agravante”.
Qual o período do dia que causa mais dor?
De acordo com o Dr. Flávio, os pacientes com fibromialgia não têm o sono profundo necessário para o relaxamento muscular adequado. Ele explicou: “esses pacientes acordam sem ter o relaxamento muscular fisiológico que as pessoas normais têm”, o que contribui para a dor e o desconforto matinal, até que o corpo comece a se movimentar e gradualmente melhore.
O que as pesquisas mais recentes dizem sobre a doença?
Pesquisas recentes indicam que há alterações no sistema nervoso central dos pacientes com fibromialgia. O Dr. Flávio explicou que esses pacientes “têm como se fosse um curto-circuito nos neurônios”, o que amplifica a dor e a fadiga. Ele destacou que o tratamento deve envolver tanto abordagens físicas quanto medicamentosas, “não apenas um, não apenas outro”.
A doença tem cura?
Segundo o Dr. Flávio, a fibromialgia não tem uma cura definitiva, mas é possível alcançar uma boa qualidade de vida. Ele evitou a expressão “não tem cura” e comentou que, para alguns pacientes, “aqueles pacientes que tomam o medicamento em doses normais e fazem atividade física regular, podem no futuro não muito longo sonhar em ficar sem remédio e sem dor”. Ele estima que cerca de 20 a 30% dos pacientes podem alcançar esse nível de melhoria.
*Sob a supervisão de Helio Carvalho
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