Estrela do Sul: por que cidade mineira com menos de 7 mil habitantes é disputada pela indústria do cinema?


Localizada no Triângulo Mineiro, Estrela do Sul já foi cenário de “A Saga” e a “Valentina”, dois filmes premiados no Brasil e no exterior. Município de menos de 7 mil habitantes é disputado pela indústria cinematográfica da região
Prefeitura Municipal de Estrela do Sul
Com quase 7 mil habitantes, mais especificamente 6.840 pessoas de acordo com o Censo Demográfico de 2022, Estrela do Sul, no Triângulo Mineiro, não é uma cidade marcada somente por características históricas únicas e uma natureza exuberante, mas também por ser palco de obras cinematográficas premiadas.
Na última semana, formado por um enredo que mistura características únicas do sertão mineiro e uma jornada mágica em busca de ovos de vagalume, o filme “A Saga”, produzido em Uberlândia e gravado em Estrela do Sul, foi premiado como melhor edição no “Portugal Indie Film Festival”.
O produtor Thiago Fernandes, um estrela-sulense, diz que a cidade escolhida teve grande impacto na premiação do filme.
“Eu sempre opto por lugares que se enquadrem nas minhas vivências. Além disso, todo cenário da cidade fica bonito na câmera”.
A opinião é unânime. A produtora Erika Pereira dos Santos, do também premiado “Valentina”, conta que descobriu a cidade através de um conhecido e ao botar os pés pela primeira vez no município mineiro com nome de astro celeste, não teve dúvidas de que lá era o local ideal para a gravação do filme que ela fez junto ao irmão, o diretor Cássio Pereira dos Santos.
Mas, afinal, será apenas pela beleza que Estrela do Sul é escolhida para abarcar obras como essas?
A resposta é não.
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A pacata Estrela do Sul fica situada no Triângulo Mineiro
Prefeitura Municipal de Estrela do Sul
Cultura que ultrapassa o tempo
Arquitetura histórica é um dos cartões postais de Estrela do Sul
Prefeitura Municipal de Estrela do Sul
Em meio à terra de onde nasce o minério de ferro, rodeada pelas árvores tortuosas e o solo em que tudo dá do cerrado, formam-se casas de construção histórica, igrejas com orações que ultrapassam os séculos e uma população curiosa.
Tanto Thiago quanto Érika dão sorriso às palavras ao relembrar da cidade de Estrela do Sul. Mas se tem duas coisas que mais se destacam nesses relatos, com certeza são as tradições históricas da cidade e o povo acolhedor.
A produtora de “Valentina” lembra que estar na cidade era como um abraço constante e que “mesmo sendo formado por uma comunidade simples, do interior, a temática trans do filme em nenhum momento foi vista com olhos de desaprovação pelos moradores, muito pelo contrário”.
Assim como ressalta Thiago, o povo estrela-sulense gosta de ver os artistas da Globo chegando, aos poucos eles vão se aproximando e querendo fazer parte da obra. “Teve gente até que oferecia objetos para os cenários”.
E a movimentação não é à toa, enquanto “A Saga” conta com a participação de atores brilhantes como Inês Peixoto, Emanuelle Anne, Fernando Bruno, Lucas Mali, Thiago Fernandes e Renato Luciano, “Valentina” conseguiu levar para o interior mineiro nomes como Guta Stresser, Thiessa Woinbackk, Rômulo Braga, Letícia Franco, Ronaldo Bonafro, Pedro Diniz e João Gott.
A cidade fica movimentada.
Gravações de “A Saga”
Divulgação
E é nesse movimento que tudo se conecta. Em “A Saga” por exemplo, onde a história começa com uma inundação que deixa a cidade repleta de barro, Thiago relembra que algo muito semelhante realmente já havia acontecido em Estrela do Sul na década de 1980.
“A gente acabou se inspirando na própria população local para desenvolver os personagens. Quando me viram na tela de cinema, muita gente nem acreditava que era eu, foi uma imersão”.
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Ouro e diamante
No passado, a cidade de Estrela do Sul ganhou notoriedade no século XIX, quando se tornou um dos mais importantes centros de extração de diamantes do Brasil.
E o fato não foi por acaso. Com a descoberta do lendário diamante Estrela do Sul, uma pedra com cerca de 261,88 quilates, encontrado em 1853 por uma escrava chamada Rosa, o município viveu um período de grande crescimento, atraindo viajantes e comerciantes.
No entanto, como aconteceu com muitas cidades mineradoras, a riqueza não durou para sempre. Com o esgotamento das jazidas, a cidade perdeu sua importância econômica, mas manteve seu charme histórico e cultural.
Por outro lado, em uma cidade que se tem o ouro e o diamante como um de seus marcadores temporais, não seja estranho que a população seja reluzida com os holofotes cenográficos voltados a ela.
Ainda hoje, Estrela do Sul preserva casarões coloniais e igrejas que testemunham esse passado glorioso e próspero. A cidade também mantém vivas suas festas religiosas e tradições mineiras, com destaque para o artesanato e a culinária típica.
E é esse misto de história, cultura e beleza que a tornam tão importante para as lentes cinematográficas.
Tem gente que vai e quer voltar
Erika conta que deseja voltar à Estrela do Sul com Valentina
Reprodução/Arquivo Pessoal
Se a vida é então formada de chegadas e partidas, Erika lembra que quando chegaram para a produção e gravação, a cidade não tinha instalações o suficiente para comportar toda a equipe. Mas que foi graças a ajuda dos moradores que eles conseguiram se organizar da melhor maneira possível.
O encanto por Estrela do Sul e seus moradores foi tanto que a produtora quer levar “Valentina” de volta para o município.
“Eu me tornei apaixonada pela cidade, tanto que um dos meus objetivos é levar o filme novamente para lá ainda esse ano, exibi-lo para a população que talvez ainda não tenha tido a oportunidade de assistir. É uma forma também de lembrar da cidade que acolheu tanto o meu irmão que já não está mais entre nós”, diz Erika.
Diretor Cássio Pereira dos Santos
Reprodução/Arquivo Pessoal
E os sonhos não param por aí. A produtora que herdou diversos roteiros do irmão Cássio pretende dar vida aos seus filmes em cidades da região que ela descreve como únicas.
Assim como ela, Thiago também pensa em voltar para suas origens no paraíso de uma estrela só, para provar mais uma vez que cumpriu sua promessa.
“Foi uma prova real de que é possível, de que eu cumpri o que prometi, sai de lá para trabalhar com isso e finalmente consegui”.
“Bastidores de Valentina” durante gravações em Estrela do Sul
Reprodução/Arquivo pessoal
“A Saga”
A obra dirigida por Dayse Amaral Dias e com montagem de Fernanda Portela tem produção de Emanuelle Anne e Thiago Fernandes. Já o roteiro de Paola Siviero e Thiago Fernandes foi inspirado na peça teatral “A Saga Nossa de Cada Dia Nos Dai Hoje”.
“Gravar esse filme foi uma emoção, pude retornar para as minhas origens, afinal, também sou de Estrela do Sul. Todo o conjunto foi um processo muito bacana, o Thiago me convidou para fazer parte e foi um prazer estar com uma equipe tão comprometida, um verdadeiro tesão”, disse Dayse Amaral.
Inês Peixoto e Emanuelle Anne durante gravações
W. Alexandre
A história ambientada na pequena e histórica Estrela do Sul ganha vida através de uma narrativa que guia o espectador pelos desafios enfrentados pela protagonista, Maria Flor, interpretada por Emanuelle Anne.
O roteiro se desenvolve com uma enchente devastadora que atinge a cidade, deixando a mãe de Maria Flor gravemente doente.
Maria Flor e a Criatura no filme “A Saga”
W. Alexandre
A única esperança de cura está em um remédio feito com raros ovos de vagalumes. Determinada, a protagonista embarca em uma jornada mágica e perigosa, encontrando personagens inusitados como o carroceiro Felizardo (Renato Luciano), que lhe ensina sobre esperança, e o caminhoneiro Zé Firmino (Thiago Fernandes), que carrega consigo histórias de saudade e perda.
A jovem também é guiada pela bondosa Dona Nice (Inês Peixoto), sua madrinha, e enfrenta desafios como o encontro com a enigmática Criatura (Fernando Bruno) e o traiçoeiro Mané Zoim (Lucas Mali).
“O filme é baseado na peça ‘A Saga Nossa de Cada Dia Nos Dai Hoje’ e acabamos invertendo alguns papeis de personagens ao longo da produção. Uma curiosidade é que a proposta era que o filme tivesse um final, mas quando gravamos a cena e fomos para a edição, eu não gostei do resultado. Então, começamos a pensar em alternativas e o resultado foi um final em aberto que eu particularmente amo”, revelou Dayse.
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Valentina
Gravações de “Valentina”
Reprodução/Arquivo pessoal
E “A Saga” não foi o único filme com Uberlândia e Estrela do Sul como palcos. Em 2020, as duas cidades receberam as gravações de “Valentina”.
As gravações duraram, aproximadamente, seis meses entre as duas cidades mineiras. O longa tem 95 minutos de duração e conta com a participação da atriz Guta Stresser, no papel de mãe da Valentina, interpretada pela atriz e youtuber trans Thiessa Woinbackk.
A atriz inclusive venceu o prêmio Outfest de Melhor Interpretação em um filme internacional.
A produção, dirigida por Cássio Pereira dos Santos, conta a história de uma adolescente trans de 17 anos, que muda para uma pequena cidade mineira com a mãe. Com medo de ser intimidada na nova escola, a garota busca mais privacidade e tenta se matricular com seu novo nome. Mas mãe e filha começam a enfrentar obstáculos quando a escola exige a assinatura do pai ausente para realizar a matrícula.
O longa exibido pela Netflix também foi premiado, porém, na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, além de ser exibido em cinemas japoneses.
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