Lei Mariana Ferrer leva à punição inédita de juiz por permitir ofensa durante julgamento

Uma decisão do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) utilizou, pela primeira vez, a lei Mariana Ferrer para responsabilizar um juiz que se omitiu durante falas depreciativas contra uma advogada, sua cliente e testemunhas em um julgamento. A decisão foi divulgada nessa quarta-feira (12) e é referente a um caso que tramitou na 3ª vara do Tribunal do Júri de Manaus (AM).

Decisão do Conselho Nacional de Justiça se baseou na lei Mariana Ferrer – Foto: Lucas Castor/Agência CNJ/ND

Conforme a relatora do PAD (Processo Administrativo Disciplinar), Renata Gil, o promotor de justiça do Amazonas, Walber Nascimento, dirigiu falas misóginas e depreciativas do gênero feminino à advogada, Catharina Estrella, à vítima e às testemunhas durante uma inquirição.

O presidente da sessão, juiz Carlos Henrique Jardim da Silva, no entanto, não se manifestou quanto às ofensas, permitindo que a defesa fosse constrangida publicamente. A sessão ocorreu em setembro de 2023, quando um caso de feminicídio, tratado como homicídio, era julgado.

“O juiz não é um item de decoração, uma árvore, algo estanque que só observa o que está acontecendo”, argumentou a relatora em seu voto. O plenário do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) decidiu, por unanimidade, punir o juiz do TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas) com censura por sua omissão durante o júri.

Lei Mariana Ferrer é usada para responsabilizar juiz do Amazonas

A conselheira destacou, na decisão, que o juiz atendeu às intervenções do promotor, mas não acatou nenhum dos pedidos da advogada. De acordo com o relatório, o juiz infringiu não apenas a Lei Orgânica da Magistratura e o Código de Ética da Magistratura, mas o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero.

"O juiz não é um item de decoração", diz Renata Gil, conselheira do CNJ

“O juiz não é um item de decoração”, diz Renata Gil, conselheira do CNJ – Foto: Rômulo Serpa/Agência CNJ/ND

“O protocolo deve ser aplicado por toda magistratura e por todo sistema de justiça. Não é possível que ainda estejamos discutindo essa questão dessa maneira”, ressaltou a conselheira do CNJ, Renata Gil.

Desde o caso que deu origem à lei Mariana Ferrer, em 2020, “foram implementadas diversas normas e diretrizes voltadas à proteção da mulher e das vítimas no curso do processo judicial, com o objetivo de assegurar maior respeito, dignidade e equidade na condução das demandas judiciais”, explicou Gil.

Dentre as medidas estabelecidas pela lei 14.245/2021, estão garantias para evitar a “revitimização de pessoas, especialmente as vítimas de crimes contra a dignidade sexual”. No mesmo sentido, a Lei Federal número 14.321/2022 tipificou a violência institucional como “espécie do crime de abuso de autoridade, caracterizada por ações ou omissões que causem revitimização no âmbito de instituições públicas eprivadas”.

Punição de juiz por omissão foi unânime

O plenário do Conselho Nacional de Justiça acompanhou o voto da relatora pela responsabilização do juiz , destacando que o magistrado não pode ser um mero espectador e que manifestações de violência institucional têm de ser coibidas e punidas. Conselheiros e conselheiras lembraram que o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero não é “um simples papel”, mas é uma importante posição do CNJ.

O juiz Carlos Henrique Jardim da Silva está aposentado por invalidez, mas a punição com base na lei Mariana Ferrer será anotada em seus assentamentos e terá efeito prático se, ou quando, ele retornar às atividades. O CNJ também vai oficiar o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) da decisão.

Lei Mariana Ferrer foi inspirada no caso de modelo que foi constrangida durante julgamento em Florianópolis

Lei Mariana Ferrer foi inspirada no caso de modelo que foi constrangida durante julgamento em Florianópolis – Foto: Reprodução/Youtube

Lei Mariana Ferrer

A legislação, sancionada em 2021, foi inspirada no caso da modelo e influenciadora digital de mesmo nome, que foi constrangida durante uma audiência do caso de estupro que teria sofrido em Florianópolis (SC). Em julho de 2020, o advogado de defesa do acusado exibiu fotos pessoais de Mariana, fazendo comentários misóginos que não tinham relação com o mérito do processo em questão.

O vídeo da audiência também mostrou que o defensor humilhou e desrespeitou a influenciadora por várias vezes, sem que o juiz ou o promotor de Justiça interviessem na situação. A lei busca busca coibir essa prática, a fim de manter a dignidade da vítima e de testemunhas. Além disso, estabelece aumento de pena no crime de coação no curso de processos.

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