Uso da MDMA para tratamento do estresse pós-traumático é rejeitado pela FDA

Decisão aponta que dados são insuficientes para aprovação. Agência reguladora solicitou a realização de um estudo adicional de fase 3 para compreender a segurança e eficácia da substância. O uso da MDMA (metilenodioximetanfetamina) para o tratamento do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) foi rejeitado pela FDA, a Agência de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos.
De acordo com a Lykos Therapeutics, empresa que submeteu o tratamento para aprovação, a FDA afirmou que os dados apresentados não eram suficientes para a autorização do uso da MDMA.
A FDA também solicitou a realização de um estudo adicional de fase 3 para que se possa compreender mais a fundo a segurança e eficácia da substância no tratamento.
“O pedido da FDA para outro estudo é profundamente decepcionante, não apenas para todos aqueles que dedicaram sias vidas a esse estudo pioneiro, mas principalmente para os milhões de americanos com TEPT”, lamentou Amy Emerson, CEO da Lykos Therapeutics, em comunicado.
A companhia afirmou que pretende solicitar uma reunião com a FDA para pedir a reconsideração da decisão e discutir as novas recomendações da agência.
A decisão do órgão vai ao encontro à recomendação dos conselheiros da agência reguladora divulgada no início de junho.
Na época, os consultores alegaram dados falhos do estudo, conduta de pesquisa questionável e risco significativos do medicamento. (veja mais abaixo)
Uso rejeitado por conselheiros
No início de julho, conselheiros da agência reguladora votaram sobre a eficácia da droga, derivada da anfetamina, cujo uso entre os jovens tem aumentado nas últimas décadas.
A FDA não é obrigada a seguir o conselho do grupo de especialistas, mas é o que geralmente acontece.
Em caso de aprovação, a MDMA, também chamada de ecstasy, se tornaria o primeiro psicodélico ilegal nos EUA a ser incorporado à medicina convencional – no Brasil, o uso da droga também é proibido.
O tratamento seria em cápsulas, fabricadas pela empresa de biotecnologia Lykos Therapeutics, e destinado a ser administrado a pacientes em combinação com sessões de terapia.
Falhas no estudo e riscos da droga
Os especialistas apontaram falhas nos estudos, que poderiam ter distorcidos os resultados, e ausência de dados de acompanhamento sobre os resultados dos pacientes.
Outro ponto questionado pelos conselheiros foi a falta de diversidade entre os participantes da pesquisa. A grande maioria dos pacientes era branca, com apenas cinco negros recebendo MDMA.
“O fato de este estudo ter tantos participantes brancos é problemático porque não quero que algo seja lançado que ajude apenas este grupo”, disse Elizabeth Joniak-Grant, representante de pacientes do grupo.
Os consultores da FDA também relembraram as alegações de má conduta nos testes que surgiram recentemente no noticiário e em um relatório do Instituto para Revisão Clínica e Econômica. A organização sem fins lucrativos avalia tratamentos experimentais com drogas.
“Não estou convencido de que esta droga seja eficaz com base nos dados que vi”, disse o Dr. Rajesh Narendran, um psiquiatra da Universidade de Pittsburgh que presidiu o painel.
Psicodélicos para uso terapêutico
Este é o primeiro de uma série de psicodélicos — como LSD e psilocibina — que serão avaliados pela FDA nos próximos anos, à medida que cresce a pesquisa e o interesse em seu potencial para tratar condições de saúde como depressão, vício e ansiedade.
Atualmente, apenas antidepressivos são aprovados pela FDA para o tratamento do TEPT, condição intimamente ligada à depressão, ansiedade e comportamento suicida (entenda mais abaixo). O TEPT também é mais prevalente entre mulheres e veteranos de guerra.
A análise da FDA sobre a MDMA ressalta as dificuldades envolvidas no estudo de drogas psicodélicas.
“A avaliação deste pedido é tanto significativa quanto complexa,” afirmou no início da reunião desta terça-feira a revisora da FDA, Tiffany R. Farchione, diretora da Divisão de Psiquiatria do Centro de Avaliação e Pesquisa de Medicamentos da agência.
Como a MDMA provoca experiências psicológicas intensas, quase todos os pacientes em dois grandes estudos perceberam se tinham recebido a droga ou um placebo (substâncias inertes).
Isso é algo que prejudica a objetividade necessária em pesquisas de alta qualidade, onde os pacientes não devem saber qual tratamento eles recebem.
“Isso dificulta saber quanto do efeito do tratamento é um benefício real e quanto é devido ao viés de expectativa,” pontuou Farchione.
Sede da Food and Drug Administration (FDA), agência que regula medicamentos nos Estados Unidos, em White Oak, no estado norte-americano de Maryland.
REUTERS/Andrew Kelly/File Photo
Riscos de segurança
Os reguladores da FDA também estão preocupados com os riscos de segurança da MDMA, incluindo a possibilidade de os pacientes se machucarem durante os efeitos da droga, que podem durar mais de oito horas. Fora isso, a substância também pode aumentar a pressão arterial.
Devido a esses riscos, a FDA propôs limites rigorosos para o uso da MDMA:
Apenas médicos e terapeutas especialmente certificados poderiam prescrever e administrar a droga.
Os pacientes teriam que ser registrados e acompanhados ao longo do tempo.
E profissionais de saúde precisariam estar disponíveis para monitorar os sinais vitais dos pacientes enquanto tomam a substância.
Representantes da Lykos Therapeutics, uma ramificação da Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (MAPS), o principal grupo de defesa dos psicodélicos do país, disseram nesta terça que concordam com essas precauções e esperam que isso acelere a aprovação da droga.
“É claro que a terapia assistida por MDMA seria uma adição bem-vinda às opções atualmente disponíveis,” disse à agência Associated Press Kelley O’Donnell, psiquiatra da Universidade de Nova York que ajudou a conduzir os estudos com MDMA. “Eu vi pessoalmente como esse tratamento pode salvar vidas para alguns”.
O que é a droga
A MDMA é uma droga artificial que causa alucinações e atua como estimulante. Segundo o Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas dos EUA (NIDA, na sigla em inglês), a substância distorce a percepção sensorial e temporal, intensificando sensações e também é conhecida como entactógeno, aumentando a autoconsciência e a empatia.
Sua forma mais comum de uso é em pílulas ou cápsulas, mas muitas dessas pílulas contêm não só MDMA como também outras substâncias, como metanfetamina, ketamina, cafeína, heroína e cocaína.
Ainda de acordo com o NIDA, quando a MDMA é tomada em comprimidos ou cápsulas, seus efeitos surgem após 45 minutos, atingindo o pico em 15-30 minutos, durando cerca de três horas, embora os efeitos colaterais possam ser sentidos dias depois.
Geralmente, uma ou duas cápsulas são consumidas por dose, contendo entre 50 e 150 miligramas de MDMA. Muitas vezes, uma segunda dose é consumida quando os efeitos da primeira começam a diminuir, aumentando o risco de efeitos colaterais adversos devido à combinação das duas doses.
Imagem de comprimidos de ecstasy.
Polícia Federal/Divulgação
Transtorno de estresse pós-traumático
O TEPT é um conjunto de sintomas originado por eventos muito estressantes, assustadores ou angustiantes.
Segundo o NHS, o serviço de saúde britânico, a condição faz com que o paciente frequentemente reviva o evento traumático em pesadelos e flashbacks, além de sentir-se isolado, irritado e culpado.
Em alguns casos, também é comum sentir dificuldades para dormir, como insônia, e ter dificuldades de se concentrar. Esses sintomas geralmente são graves e persistentes, afetando significativamente a vida diária da pessoa.
Ainda de acordo com o NHS, ele costuma ser desencadeado por:
Acidentes graves
Agressões, como agressão sexual, assalto à mão armada
Problemas sérios de saúde
Experiências negativas de parto
Ou outras condições traumáticas em geral
Estima-se que o quadro afete cerca de 1 em cada 3 pessoas que passam por uma experiência traumática, embora não esteja claro por que algumas desenvolvem a condição e outras não.
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