‘É uma escolha, não obrigação’: por que cada vez mais casais optam por não ter filhos em SC?

Busca por independência, maior liberdade e uma conexão mais forte entre o casal. Esses são alguns dos motivos elencados pelos pares que não desejam ter filhos. Em outubro do ano passado, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou dados do Censo 2022 que colocam Santa Catarina como o estado com maior número de casais sem filhos no país.

Censo 2022 do IBGE apontou que Santa Catarina é o estado com mais casais sem filhos do Brasil. Como ilustração, um casal de mãos dadas

Censo de 2022 do IBGE apontou que Santa Catarina é o estado com mais casais sem filhos no Brasil – Foto: Divulgação/Freepik/ND

A pesquisa apontou que casais sem filhos representam 24,84% dos cônjuges em Santa Catarina, percentual acima da média nacional, que foi de 19,32%. Para Daniele Fontoura Leal, psicóloga e doutoranda na área de saúde mental e gênero, o crescimento desse número no Brasil se deve a múltiplos fatores.

“Podemos notar na pirâmide populacional que há uma queda [no número de casais com filhos] desde a década de 80, quando foi criada a pílula anticoncepcional e outros métodos contraceptivos. Além disso, diria que o modelo de maternidade é muito solitário para as mulheres, criar um filho é muito caro e exige demais de um casal”, destaca a psicóloga.

Os motivos elencados pelos casais sem filhos em Santa Catarina

Escolha consciente e liberdade individual

Fabiana Lucas, 37 anos, analista de customer success, e Rodrigo Costa, 43, formado em rádio e TV, são moradores de Florianópolis, estão casados há 11 anos e compartilham a decisão de não ter filhos.

Para ela, a responsabilidade de criar uma criança é algo que não cabe em seus planos de vida. “Ter uma criança exige muita responsabilidade. E eu não queria ter que dedicar a minha vida para ser mãe, pois acabaria perdendo a minha individualidade e independência”, explica Fabiana, que também é formada em gastronomia e atualmente estuda psicologia.

Fabiana Lucas e Rodrigo Costa, casal sem filhos juntos há 11 anos

Fabiana e Rodrigo consideram que não ter filhos é uma forma de manter maior independência – Foto: Divulgação/Arquivo pessoal/Fabiana Lucas/ND

Ao tomar a decisão, ela lembra da pressão exercida pelo entorno, que tratava a maternidade como obrigação. “A família sempre fala, amigas querem afilhadas, a mãe comenta. Falaram que depois dos 30 anos a vontade viria, mas foi algo que nunca despertou em mim”, revela.

Essa pressão, segundo a psicóloga Daniele, é algo muito mais presente na vida das mulheres, que são cobradas e muitas vezes convencidas a terem filhos.

“Principalmente mulheres em relacionamentos heterossexuais são levadas a acreditar que o que falta na vida delas é um filho. Uma pressão grande por conta da questão biológica da capacidade de gerar a criança”, conta a psicóloga.

“Estar com o outro por amor”

A mesma decisão foi tomada pela publicitária Ingrid Pipolos e pelo marido, o administrador Gladstone Pipolos. Juntos há 26 anos, eles sempre estiveram alinhados na opção de não terem filhos.

“Comecei a namorar ele quando tinha 18 anos. Hoje tenho 44 anos e a decisão sempre foi algo natural. Eu tinha isso bem definido e ele também não tinha vontade”, relembra Ingrid.

Apesar de tratar a escolha como natural, a publicitária não ficou isenta de cobranças. “Algumas pessoas me acusavam de não saber o que era amor de verdade. Diziam que ia me arrepender, que ia chorar quando não pudesse mais ter filhos. Foram coisas me deixaram muito chateada”, confessa.

Ingrid acredita que não ter filhos não diminui a profundidade do amor entre o casal – Foto: Divulgação/Ingrid Pipolos/Arquivo pessoal/ND

Ela afirma que chegou a se questionar e a se sentir mal com a sua própria decisão. “Era algo falado em qualquer festinha ou reunião de família. Mas, se mudasse minha decisão, seria para satisfazer a sociedade e não algo que eu queria, que desejava”.

Para eles, ser um casal sem filhos não diminui a profundidade do amor que compartilham. “Gostamos de ser só nós dois. Temos a liberdade de saber que estamos um com o outro por amor”, afirma Ingrid.

Daniele relata que, atualmente, é mais comum que as mulheres consigam perceber que ter filhos é uma opção. “A mulher se sente mais à vontade para fazer essa escolha. Não é uma obrigação, uma necessidade compulsória”.

As prioridades que mudam com o tempo

Desafios encontrados durante a convivência também podem levar à decisão de não ter filhos. Ricardo José Diehl  e Marília Bottin Diehl, moradores de Luzerna, no Meio-Oeste de SC, lembram que pensavam na possibilidade de serem pais, mas foram deixando o desejo de lado.

“Quando éramos mais novos, nós sonhávamos em ter filhos. Mas foram vários fatores que nos levaram a tomar essa decisão de não ter”, lembra Ricardo.

Marília e Ricardo, casal sem filhos e moradores de Luzerna, no Meio-Oeste de SC

Desafios encontrados durante a caminhada como casal fizeram Marília e Ricardo optarem por não ter filhos – Foto: Divulgação/Ricardo José Diehl/Arquivo pessoal/ND

Ricardo conta que há 15 anos foi atropelado e quebrou as duas pernas em um acidente. “Tivemos que nos desfazer de muitas coisas que tínhamos conquistado após o acidente. O emocional ficou abalado também. Os anos foram passando e, quando vimos, já não era mais tempo para ter filhos”, recorda.

Além disso, a profissão exercida por Ricardo também pesou na decisão. Por ser motorista de caminhão, ele passa muito tempo fora de casa. “O tempo na estrada depende da época do ano. Muitas vezes passo só uma vez por mês em casa. Já cheguei a ficar 31 dias fora, quando fui para o Mato Grosso”, relata.

Marília relembra que, quando se conheceram, Ricardo já era motorista e foi algo que não interferiu no seguimento da relação. “A única coisa que gostaria é que, se tivéssemos um filho, ele estivesse presente. Quando o marido é caminhoneiro e não está presente, recai tudo sobre a mãe”, diz Marília.

Atualmente, Ricardo, aos 48 anos, e Marília, aos 51, já não cogitam mais a possibilidade. Apesar da escolha, os dois mencionam outros laços afetivos construídos. “Temos afilhados que moram aqui perto, somos padrinhos também. Temos três gatos que são muito companheiros. Então, podemos repor de outras formas”, garante Marília.

Pets como filhos?

Uma tendência crescente entre casais que optam por não ter filhos é a “substituição” da paternidade por um modelo de família que inclui animais de estimação. Para muitos, como Fabiana e Rodrigo, cuidar de gatos oferece uma alternativa que se ajusta melhor ao seu estilo de vida, sem as exigências e responsabilidades de criar uma criança.

“Eles são dependentes para se alimentar, mas não se compara a ter uma criança. O nível de energia exigido é outro”, afirma Fabiana. O casal tem dois gatos, Florbela e Elvis.

Esse modelo de “família com pets” tem se mostrado uma forma de os casais equilibraram suas vidas com a vontade de ter uma companhia leal, sem a complexidade de uma criação intensiva.

Ingrid e Gladstone junto ao seu animal de estimação

Casais podem ver nos animais de estimação companhias de menor exigência e nível de energia – Foto: Divulgação/Ingrid Pipolos/Arquivo pessoal/ND

No entanto, segundo a psicóloga Daniele, as comparações precisam ser feitas com cautela.

“Por mais que as pessoas possam ver os pets com filhos, a demanda que um filho traz é muito mais extenuante, é durante 24 horas, sete dias por semana. Os animais são bem mais autônomos e tem uma exigência menor, o que também faz muitos os escolherem”, finaliza.

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